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Um itinerário de conversão a partir do “evangelho do filho pródigo

“Seu pai o avistou e foi tomado de compaixão (Lc 15, 20).” O popularmente conhecido “evangelho do filho pródigo” é um grande convite à conversão e confiança na misericórdia de Deus, uma vez que o centro do evangelho se encontra na ação e figura do pai que ama, perdoa e reintegra. A partir da estrutura do evangelho, é possível fazer um percurso que vai ao encontro do sacramento da penitência, no qual o homem caído se reconhece frágil e recorre à misericórdia de Deus para ser novamente reerguido.

O pecado é sempre uma queda dolorosa e humilhante, por mais que no início se revista da mais bela aparência. O filho mais novo, buscando a autonomia em sua vivência com o pai, decide se aventurar pelo mundo por si só. Ele escolhe não ficar com o pai, mas seguir por outro caminho. Este é o primeiro passo para o pecado: escolher ficar longe de Deus. E, como consequência lógica, o filho mais novo se vê em situação de necessidade pela vida que escolheu trilhar; a humilhação que sua escolha lhe causou foi tão grande que ele desejava matar sua fome com a comida dos porcos. Em outras palavras, podemos dizer que o pecado degrada o ser humano da forma mais sórdida possível, a ponto de ele nem ser mais reconhecido como humano. Diante dessa realidade, a conversão começa a acontecer.

“Então caiu em si (Lc 15, 17).” O primeiro passo para a conversão é o “cair em si”, isto é, reconhecer a situação em que nos encontramos e, a partir disso, buscar mudanças. O filho mais novo reconhece sua miséria e a fartura que é viver perto do pai, pois um dia já esteve com ele. Diante disso, decide pedir perdão ao pai pelo erro cometido. A partir daí, o processo de conversão leva o filho mais novo a experimentar o perdão. Na vida de fé de qualquer cristão acontece o mesmo: diante da infidelidade a Deus e do reconhecimento da infração cometida, somos conduzidos ao sacramento da penitência, que nos revela a face amorosa e misericordiosa de Deus. E assim como o filho mais novo “se pôs a caminho e voltou para o pai (Lc 15, 19)”, pela penitência, vamos em direção a Deus, que está a nos esperar.

Diante do pai, o filho mais novo reconhece sua falta e busca o perdão, mas a ação do filho é antecedida pela ação do pai, que o avistou quando ainda estava ao longe, “correu-lhe ao encontro, abraçou-o e o beijou (Lc 15, 20).” No sacramento da penitência, acontece a mesma coisa: o pecador, diante de Deus, reconhece seus pecados, e Deus, em seu infinito amor, já está a esperar o penitente para derramar sua graça superabundante e transformar seu coração. Antes do pecador tomar consciência de sua falta e decidir voltar, Deus já está ao longe, esperando sua volta. Ou seja, Deus está constantemente à nossa espera, pronto a nos dar seu perdão diante de um coração contrito e humilde.

Diante da confissão do filho, o pai lhe dá o que há de melhor, pois o Senhor “não age conosco segundo nossos pecados (Sl 103, 10).” Manda trazer a melhor túnica, colocar anel nos dedos e sandálias nos pés do filho, manda matar um novilho cevado e faz festa para comemorar o retorno daquele que estava perdido, pois “há mais alegria no céu por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão (Lc 15, 7).” Tudo isso mostra a benevolência de Deus para conosco, que sempre nos trata segundo seu amor, não segundo nosso merecimento. E, como nos lembra o apóstolo Paulo, “onde, porém, aumentou o pecado, superabundou a graça (Rm 5, 20).” Diante do nosso pecado, o amor de Deus sempre se mostra maior e mais potente.

No evangelho, o pai ocupa o papel central do enredo: é ele que espera o filho ao longe, é ele que, por primeiro, mostra seu gesto de amor ao filho, é ele quem devolve a dignidade ao filho, e é ele que toma a iniciativa da festa pela reintegração do filho em seu lar. O pai é a imagem de nosso Deus, que nos espera ao longe, sempre respeitando nossa liberdade, que pode nos conduzir até Ele ou não; é nosso Deus, que nos enche de carinho e proteção quando nos aproximamos Dele, por mais que estejamos todos enlameados; é Ele que nos dá seu perdão e devolve nossa dignidade, nos reerguendo, sem querer saber o porquê de nosso erro; e é Ele que faz festa pelo nosso retorno à sua presença, quando optamos por voltar a seguir seus passos.

Enfim, assim como o pai desempenhou um papel fundamental na vida do filho mais novo, Deus desempenha esse papel em nossa vida. E, para que seja possível colher os frutos da reconciliação, Deus só nos pede um coração contrito e humilde, disposto a recomeçar. E assim como o pai disse em referência ao filho mais novo, Deus nos diz quando retornamos a Ele: “precisa-se festejar e alegrar-se, porque […] estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi encontrado (Lc 15, 32).”

Seminarista : Evanilton Santos

Hype da Igreja: devemos nos preocupar?

“Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e à riqueza.” (Mt 6,24)

 

Nos últimos dias, temos notado um crescimento no compartilhamento de conteúdos referentes à Igreja Católica. As lives do Rosário do Frei Gilson têm alcançado um número de visualizações inimaginável para as madrugadas. Padres tornando-se famosos em redes sociais, fiéis compartilhando as instruções do Missal Romano, religiosos participando de podcasts, igrejas cheias… Aparentemente, tudo está sendo benéfico. Então, não há motivos para preocupação, certo?

Precisamos aprofundar a análise. Comecemos com a primeira situação adversa de algo que está em hype: os “aproveitadores”. Coloquei o termo entre aspas para chamar sua atenção, pois não o utilizo de forma pejorativa. O termo é utilizado, no caso, para ilustrar os usuários que aproveitam a oportunidade de ter mais visualizações ao repercutir um conteúdo em alta. Uma das estratégias vendidas em cursos de “viralização” em redes sociais é aproveitar os assuntos em alta, gravando conteúdos sobre aquilo que está sendo amplamente divulgado pelas pessoas. Com essa estratégia, diversas personalidades das mídias geram conteúdos falando sobre o tema: alguns endossam, outros criticam, uns criam alguma polêmica sem se envolver nela (distorcem alguma informação e fingem que a polêmica foi iniciada em outro lugar, e eles estão apenas “divulgando o fato”), enquanto muitos se opõem ferrenhamente ao tema. Entretanto, na maioria das vezes, tudo não passa de um “teatro” em busca de engajamento. Nesse contexto, os “aproveitadores” exercem um papel fundamental para a manutenção do assunto em hype. Em outras palavras: “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”.

Antes de continuarmos a análise, é preciso esclarecer que este artigo não trata do Frei Gilson, nem sobre a polarização político-partidária. Sugerimos apenas a reflexão sobre o nosso comportamento, como cristãos, nas redes sociais e dentro da Igreja, influencers ou não, viralizados ou não.

Continuando a análise sobre os “aproveitadores”, ainda há o perigo do efeito Dunning-Kruger, uma tendência cognitiva que faz as pessoas superestimarem seus conhecimentos. Todo ser humano está sujeito a este fenômeno, pois ninguém é especialista em tudo. Para compreender o efeito Dunning-Kruger, podemos citar um exemplo clássico: alguém assiste a um vídeo de 15 minutos no YouTube sobre determinado assunto e sente-se especialista a ponto de fazer uma palestra ou tecer um longo comentário nas redes sociais sobre o tema. Com isso, um vídeo de 30 segundos sobre uma instrução do Missal Romano pode desencadear dezenas ou centenas de “remixes” de outros usuários das redes, comentando como se fossem especialistas, mesmo sem nunca terem participado de uma Missa.

Outro ponto que precisamos refletir com muita cautela é o funcionamento dos algoritmos. O código-fonte das plataformas é ajustado para priorizar conteúdos que façam o usuário passar mais tempo olhando para a tela. Há vários “gurus” da internet ensinando técnicas de criação de roteiro, gravação e edição de vídeos, storytelling, copywriting, call-to-action e muito mais. Mas, e quando o algoritmo detectar uma queda de interesse nos conteúdos religiosos, como lidaremos com isso? Lembre-se de que os influenciadores da Igreja não são apenas os famosos, mas todos nós, que comunicamos, de alguma forma, a Palavra de Deus. Será que teremos autocontrole suficiente para não deixar que a vaidade gerada pelos números de engajamento distorça a verdade do Evangelho? Será que, para obter muitos likes e comentários, eu serei capaz de produzir um conteúdo dizendo: “não perdoe, não ame, seja sempre o primeiro a atirar pedras…”?

De modo geral, a busca pelo engajamento pode fomentar a polarização doutrinária, tirando o foco de Cristo e da “Boa Nova”, pois a polêmica é uma das estratégias de viralização. Jesus deve ser o centro de nossas mensagens, e o Evangelho, a base para compartilhá-las, evitando que as tentações do mundo virtual distorçam a sua essência.

Há muitos perigos e tentações nesse ambiente da criação de conteúdo. É preciso ter temperança, manter-se em comunhão com Deus, nunca perder ou tirar de alguém a dignidade e primar sempre pela Verdade.

Por outro lado, como disse no início do texto, testemunhamos igrejas cheias, muitos fiéis estão participando das Missas pela primeira vez. Presenciamos pessoas sentadas e fazendo publicações nos stories durante a proclamação do Evangelho. E qual a nossa atitude diante disso? Estamos disparando olhares de julgamento e críticas, ou convidando os recém-chegados para conhecer melhor a Igreja? A iniciação cristã, as pastorais…

Acolher bem, com carinho, paciência, exemplificando os ensinamentos de Jesus, é o caminho para manter o interesse do indivíduo, mesmo que a hype passe. Pois, é mais importante o verdadeiro encontro com o Cristo do que a tendência momentânea.

 

Joel Fernandes
Assessor de Comunicação da Diocese de Guanhães

 “A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

Por Abel Mourão

Uma das mais emblemáticas passagens evangélicas sobre Jesus de Nazaré é a sua transfiguração diante dos três discípulos, conforme atestam as narrativas nos três Evangelhos sinóticos (Mateus 17,1-9; Marcos 9,2-10 e Lucas 9,28-36). A Transfiguração do Senhor se tornou uma festa celebrada na liturgia da Igreja Oriental desde o século V, enquanto no Ocidente ela foi introduzida no calendário litúrgico no século XV. Ela possui, portanto, um significado de alta importância na fé cristã não apenas para aquelas testemunhas oculares, mas para os cristãos de todos os tempos.

Não por acaso, essa passagem vem logo após a profissão de fé de Pedro, na qual ele proclama a Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), bem como após o primeiro anúncio da Paixão, pelo qual Jesus confidencia aos discípulos que ele iria sofrer nas mãos dos sacerdotes e dos escribas, seria morto e ressurgiria no terceiro dia (Mt 16,21). Seus discípulos não conseguiram conciliar a imagem do Messias vitorioso com o dramático fim que Jesus anunciou sobre si mesmo, uma vez que sua morte seria compreendida, naturalmente, como o fracasso da sua missão. O Messias esperado pelos judeus viria para reinar gloriosamente e restaurar a paz em Israel, e não para padecer como um derrotado. Pedro, razoavelmente, estranhou o anúncio da morte de Jesus (Mt 16,22). Apenas a revelação manifestada na transfiguração seria capaz de unir o que parecia ser incompatível: a identidade messiânica de Jesus com a sua missão vicária – o Servo sofredor profetizado por Isaías: “Eis o meu servo que eu sustenho, o meu eleito, em quem tenho prazer. Pus sobre ele o meu espírito; ele trará o julgamento às nações” (Is 42,1).

A fim de superarem as incompreensões e adentrarem no mistério que Jesus os convidava, Ele leva consigo Pedro, Tiago e João ao monte para orar e lá acontece o mistério da Transfiguração, como relata o evangelista Mateus:

Seis dias depois, Jesus tomou Pedro, Tiago e seu irmão João, e os levou para um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E ali foi transfigurado diante deles. O seu rosto resplandeceu como o sol e as suas vestes tornaram-se alvas como a luz. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias conversando com ele. Então Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, levantarei aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Ainda falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e uma voz, que saía da nuvem, disse: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o!”. Os discípulos, ouvindo a voz, muito assustados, caíram com o rosto no chão. Jesus chegou perto deles e, tocando-os, disse: “Levantai-vos e não tenhais medo”. Erguendo os olhos, não viram ninguém: Jesus estava sozinho” (Mt 17,1-9).

Jesus levou os três discípulos para o alto da montanha, lugar próprio do encontro com Deus na espiritualidade israelita – como fez Moisés ao ser chamado por YHWH e receber as tábuas da Lei. Jesus foi transfigurado diante deles, resplandecendo a glória celeste em seu corpo, como seria compreensível acontecer àqueles que são envolvidos pela presença divina. Os discípulos certamente se lembraram de Moisés, que, ao se encontrar com Deus no Monte Sinai, desceu com o rosto resplandecente (Ex 34,29-30). Compreenderam que ali estava a presença do Criador, origem da luz gloriosa e da profusão de vida.

“O rosto de Deus, radiante de alegria, é a fonte de luz do Espírito Santo. Sua luz nos inunda, e nossos rostos se tornam espelhos que refletem e espalham essa luz” (MOLTMANN, 2002, p. 22).

Não obstante, a voz de Deus ecoa naquele lugar, declarando a identidade de Jesus: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; ouvi-o!” (Mt 17,5), mesma declaração teofânica ocorrida em seu batismo (Mt 3,17). Trata-se da revelação mais importante sobre Jesus: sua divindade é declarada pelo próprio Deus nas duas teofanias. Esse é o fundamento da fé cristã, o qual os discípulos de todos os tempos devem acolher pela fé e receber, por ela, a esperança de serem filhos no Filho. Jesus não era mais um dos profetas, tampouco um presunçoso derrotado pelo Sinédrio sob a autoridade de Pilatos. Ele é o Filho de Deus, como bem declarou o centurião ao contemplá-lo pendente na cruz (Mc 15,39). A compreensão da sua identidade ainda precisaria ser amadurecida pelos discípulos, assim como precisa ser na experiência religiosa de cada cristão.

Uma beleza singular dessa última teofania – a transfiguração – é que Deus une nesse encontro as testemunhas da Antiga Aliança com aqueles que serão testemunhas da Nova Aliança – os discípulos. Revela a esses últimos a identidade do seu Ungido que, em poucos dias, consumaria a Eterna Aliança de Deus com a humanidade pela oblação da sua vida. Os elementos presentes na transfiguração demonstram a continuidade da Antiga para a Nova Aliança. Nas pessoas de Pedro, Tiago e João, está representado o Novo Povo de Deus, a Igreja, aberta à universalidade.

Mas a declaração divina se estende: “ouvi-o!”. Com esse imperativo, Deus concede autoridade a Jesus, confirmando-o diante dos homens como fonte reveladora da verdade. Impossível para aqueles discípulos de origem judaica não serem remetidos ao pilar da sua tradição: “Ouve, ó Israel: YHWH nosso Deus é o Senhor” (Dt 6,4). Ouvir e colocar em prática era, para eles, acolher e viver o mandamento de Deus. Em última instância, amá-lo. A Jesus, portanto, Deus concede essa autoridade: suas palavras são verdadeiras e dignas de fé, devem ser acolhidas e vividas como expressão do desejo humano de amar a Deus. “Quem tem meus mandamentos e os observa é que me ama; e quem me ama será amado por meu Pai. Eu o amarei e me manifestarei a ele” (Jo 14,21).

Para tornar mais clara a revelação, aparecem Moisés e Elias junto de Jesus, expoentes e representantes da Lei e dos profetas – pilares da fé de Israel. A presença dos dois conversando com Jesus indica que Ele é testificado pelas duas testemunhas da tradição judaica. Tanto a Lei mosaica quanto os profetas o anunciaram e prepararam o povo eleito para esse momento: a vinda do Cristo de Deus. E ali se encontrava Ele, resplandecente, transfigurado em glória diante de Pedro, Tiago e João. Não por acaso, esses mesmos três discípulos testemunharam sua agonia no Jardim do Getsêmani (Mc 14,33). Essas testemunhas contemplaram a manifestação de sua glória para, posteriormente, presenciarem seu sofrimento e condenação. Somente após verem Jesus glorificado e confirmado pelo Pai, eles poderiam permanecer fiéis ao verem-no sofrer os tormentos da paixão e ser morto como um derrotado na cruz. A fé oriunda da experiência que tiveram da transfiguração seria capaz de fortalecer e transpor a dúvida e a angústia diante do aparente fracasso de Jesus na cruz, até que sua ressurreição conferisse uma conclusão vitoriosa à sua vida e missão. Bento XVI refletiu bem acerca desse evento:

“A cruz de Jesus é êxodo: partida desta vida, passagem através do ‘mar vermelho’ da paixão e ida para a glória, na qual permanecem os sinais das chagas […]. Deste modo, mostra-se claramente que o tema fundamental da lei e dos profetas é a ‘esperança de Israel’, o definitivo êxodo libertador; que o conteúdo desta esperança é o Filho do homem sofredor e servo de Deus, o qual, sofrendo, abre as portas para a liberdade e para a novidade. Moisés e Elias são, eles mesmos, figuras e testemunhas da paixão.” (BENTO XVI, 2007, p. 265).

O que era um “escândalo para os judeus e loucura para os gregos” (1Cor 1,23) foi revelado aos discípulos na transfiguração: o Filho de Deus está entre os homens e possui a autoridade da Palavra divina, pois é o autêntico revelador do Pai. “Poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor 1,24), como afirmou o apóstolo Paulo. “Ouvi-o!” (Mt 17,5), disse Deus da nuvem. Através de Cristo, Deus escolheu se manifestar ao mundo de forma humilde, sem força ostensiva nem sedução filosófica. Apontou o caminho do amor, da compaixão e da misericórdia como uma trilha certa para uma vida plena. Despojado de tudo o que é corruptível, fez-se obediente à vontade do Pai, corrigindo a desobediência do pecado original que separou o homem de Deus. Enfrentou o desprezo e a morte para dar ao mundo o amor que o salvaria da eterna separação. A humilde e, ao mesmo tempo, gloriosa oblação de sua vida reintegrou a humanidade em uma amizade com a Trindade de uma forma superior. Pela sua encarnação, oferece a cada pessoa humana a possibilidade de participar da natureza divina – ser feito filho de Deus, filho no Filho (Gl 4,5). Assim nos ensina a Igreja no comentário da Festa da Transfiguração do Senhor: “A palavra do Pai preanuncia a adoção filial dos que, escutando e seguindo o Filho predileto, se tornam seus irmãos e partícipes da transfiguração eterna” (Missal Romano, 2023, p. 767).

Diante da vida e dos ensinamentos de Jesus que conhecemos, vale refletir se a experiência religiosa que temos vivido nos coloca à sua escuta. Se nos permitimos ser confrontados pela sua Palavra e se temos o coração atravessado por ela. Ou se, diferentemente, a experiência religiosa vivida apenas fortalece as próprias convicções do homem velho, petrificado na zona de conforto da autorreferencialidade. Essa última postura se enquadra nas formas de idolatria condenadas por Deus desde o antigo Israel, na qual o homem, enganando-se a si mesmo, faz de si seu próprio deus. É Preciso nos colocarmos diante daquele que foi transfigurado e revelado no monte, para que sua Luz ilumine o nosso ser e sejamos, à sua imagem e semelhança, filhos do Altíssimo. Somente assim a nossa religião pode corresponder ao projeto originário do Criador: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1,26). Deus, pela sua teofania, testemunha quem é Jesus e o revela ao mundo. Desfaz as insuficientes imagens pré-concebidas, errôneas, ideológicas. Ainda hoje, a identidade de Jesus precisa ser revelada ao mundo para que o conheçam e o amem.

“Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3).

Referências Bibliográficas:

BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus,2022.

BENTO XVI, Papa. Jesus de Nazaré: primeira parte: do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

Missal Romano, 2023, 3ªed, p.767

MOLTMANN, Jürgen. A fonte da vida – O Espírito Santo e a teologia da vida. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p22

Autor: Abel de Pinho Mourão- 3° Ano da Configuração.

Jesus Cristo: a Palavra se fez carne e habitou entre nós

Quem é Jesus para nós? Vejamos com os olhos da fé (Jo 1,1-14)

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. João, um enviado de Deus, veio dar testemunho dessa verdadeira Luz. O verbo se fez carne e habitou entre nós, o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu. Assim nós lemos quando vamos fazer a leitura do prólogo do Evangelho de Jesus Cristo segundo São João.

No tempo de Jesus, acreditava-se que a vinda do Messias seria precedida pelo envio de Elias, que prepararia o povo para a chegada do Salvador, restaurando a Lei de Moisés (cf. Mt 3,22ss). Havia, naquele tempo, uma expectativa messiânica muito grande por parte dos Judeus. O Messias seria aquele que iria restaurar a Aliança feita entre Deus e seu povo e destituir as autoridades por sua infidelidade.

João, aquele que batizava com água, incomodava com suas pregações, e o povo queria saber se era ele o Messias. E João disse ser a “voz que grita no deserto”, critica o sistema existente e chama a atenção das autoridades, não para a sua pessoa, mas para a sua pregação que anuncia alguém que chega depois dele e que já está presente. Ele veio como testemunha para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele. O Verbo era a luz verdadeira que ilumina todos os homens.

ANTES JESUS ERA O VERBOE O VERBO SE FEZ CARNE

Antes de ser gerado Jesus fazia parte de Deus, estava nele. Quando lemos na Bíblia: “EU SOU aquele que é… EU SOU me enviou até vós… este é meu nome para sempre… (Ex 3,14-15), aquele Deus que falava com Moisés, que viu e ouviu o clamor do seu povo. O próprio Deus, criador de todas as coisas que armou sua tenda e fez morada no meio de nós. Jesus é esse mesmo Deus, encarnado. O Deus que se fez homem e habitou entre nós.

A Palavra se fez carne. Jesus é a Palavra que veio como homem e habitou entre nós. Jesus é a imagem do Deus invisível que se fez homem para revelar a nós quem é Deus e nos mostrar o caminho para se chegar até Deus. A encarnação de Jesus, ou seja, o seu ministério de Filho vem com o seu nascimento aqui na terra e se coloca na sua missão de nos dar a conhecer quem é Deus. O que Deus quer é se revelar, ser conhecido na pessoa de Jesus.  Jesus vive plenamente a sua humanidade e nela revela que é o Pai, e o seu amor incondicional por nós. Não acreditar que Jesus é o Deus encarnado é não acreditar nele como Salvador, mas apenas como profeta.

A BELEZA COMO TRANSMISSORA DA FÉ

Maravilhar-se com a beleza da presença do Deus que vem e se faz humano no meio de nós, precisa-se situar-se em meio a beleza do mundo em que vivemos, todas criadas por Deus, valorizá-las. É nas pequenas coisas, nos pequenos detalhes que cada pessoa pode perceber o seu dom criativo e artístico ofertado por Deus. E, a partir de suas percepções, pode sentir-se atraída para o silêncio e a contemplação, procurando o encontro com Deus, o grande Artista da criação.

Nos tempos atuais parece ser difícil perceber a delicadeza de Deus, mas precisamos redirecionar o nosso olhar, assim como os reis magos que procuravam o menino-Deus nos palácios, mas foram encontrá-lo em meio aos pastores, num estábulo. O nascimento de Jesus é para nós a renovação de toda nossa vida. A cada ano somos chamados a fazer uma reciclagem em nossa forma de vida, tirar os vernizes que acumulam para deixar transparecer a beleza da essência do ser humano criado por Deus.

Jesus é a fonte de toda a beleza, de toda esperança, pois nele a redenção da humanidade, prometida e profetizada se cumpriu. Que ainda hoje possamos viver o Natal com a mesma esperança de outrora, com entusiasmo, pois ele continua sendo a fonte da qual jorra luz, energia, ânimo e esperança e nos levam a acreditar que a vida tem sentido, que o futuro é possível e o mundo pode e deve ser melhor. Fazer crescer a esperança que nasce do Natal, exige de nós abertura, acolhida e generosidade para também sermos estrela da esperança para outro.

Aprendamos com Jesus – fazendo-se homem, vivendo e convivendo no meio de nós, coloca-se a serviço do Reino de Deu e nos revela a Vontade do Pai. Jesus é a presença; é a ação de Deus em nossa história.  Mostra-nos como Deus tem sempre o seu olhar direcionado para o nosso coração e derrama graças, não se preocupando com as nossas aparências, mas com o nosso agir.

Aprendamos também com Maria: Cantemos com Maria o Magnificat, canto de louvor e gratidão a Deus. Ela, na sua fidelidade e perseverança, coloca em prática o seu sim dado a Deus. “Faça-se em mim segundo a tua vontade”. O Espírito se alegra em Deus meu salvador. O seu testemunho demonstra sua entrega a Deus, e vive a alegria, mesmo diante das dificuldades, na certeza de que Deus continua dirigindo seu olhar para a pequenez de sua serva. Demonstremos, através de nossos gestos e atitudes, a gratidão. Através da gratidão revela um coração grandioso. Um coração que crê. Crê em um Deus que se fez homem, encarnou-se e habitou entre nós.

Fonte: Blog Catequese Hoje – Por Neuza Silveira de Souza (Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte).

O caráter educativo da apologia

“A melhor forma de acabar com o erro é educando com o Amor.”

Geralmente, quando se pensa em apologia a primeira coisa que vem à mente de muitos é “defesa da fé”, apesar de ser uma defesa da fé, a apologia é essencialmente esclarecimento da fé. A preocupação dos apologistas em explicar a fé é muito maior que rebater as deturpações que são ditas sobre ela. Logicamente ao explicar a fé eles também refutam as visões erradas, mas como uma consequência do ato primeiro de explicá-la. Refiro-me aos apologistas no presente, pois eles não cessaram na antiguidade cristã, estão presentes nos tempos hodiernos.

A explicação da fé é de extrema importância, pois mostra como ela é capaz de, por si mesma, extirpar compreensões erradas, desde que bem vivida e compreendida. Uma vez foi dito por uma santa pessoa: “Muitos saem da Igreja por falta de catequese, por não conhecerem a fé que diziam professar”. E o que é a catequese senão ensinamento e esclarecimento da fé, nada mais do que uma boa apologia para as ignorâncias, inclusive as nossas. Nesse sentido, não só os aclamados escritores apologistas dos primeiros séculos podem receber o título de “apologistas”, “defensores da fé”, mas todos que se preocupam e se dedicam ao ensinamento e explicação da fé buscando acabar com as incompreensões acerca dela: catequistas, seminaristas, diáconos, padres, bispos, o Santo Padre o Papa dentre outros anônimos.

Não é necessário ataque ao que pensa contrário ou interpreta de forma errônea o que pelos cristãos é professado. A melhor e mais delicada maneira de lidar com as incompreensões acerca da fé é fazendo com que ela seja compreendida, sem brigas ou impondo um pensamento, que pode até estar correto, mas que com o autoritarismo se torna malvisto e ignorado. Eis uma das obras de misericórdia espiritual que muito bem define a apologia: ensinar os ignorantes. Nada mais, nada menos, apenas explicar a fé, isto é, educar com a fé, na fé e pela fé.

No livro de 1Reis Deus se apresenta a Elias em uma brisa leve; vem o furacão, o terremoto, o fogo e em nenhum deles Deus estava, mas na brisa leve, e na brisa leve Elias reconhece Deus (Cf. 1Rs 19, 10-15). Deus se impõe pela sutileza, não pela força. A força obriga, a sutileza convida, pois não violenta, apenas dá espaço para que o outro responda e aceite a mais forte evidência no ser discreto. É o que São João nos diz: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32).

Portanto, ao pensar em apologia, estendamos nosso olhar para além da fronteira da polarização que vê tudo como em um ringue de batalha. Em muitas ocasiões, o melhor jeito de vencer uma guerra não é atacando, mas defendendo. Defesa que se faz não pela força, mas pela pedagogia de Jesus: educar pelo amor, pois só quem ama oferece o bem quando recebe o mal.

 

EVANILTON SANTOS GONÇALVES

Seminarista da Diocese – 1° ano de Configuração (Teologia).

O fenômeno da alienação no contexto do totalitarismo tecnológico da sociedade industrial avançada

Nos últimos dois séculos a humanidade vivenciou consideráveis avanços na área da produção industrial devido a evolução das tecnologias de automação, alargando sucessivamente as metas de produção. Esse fenômeno, aliado às políticas econômicas e sociais, elevaram consideravelmente o padrão de vida de grande parcela das sociedades ocidentais. A evolução tecnológica dinamizou e otimizou a escala produtiva de bens de consumo, elevando a sociedade ao nível sociológico denominado de sociedade industrial avançada (MARCUSE, 2015). Porém, a promessa dos direitos e liberdades que a sociedade industrial promoveu não atingiu os princípios fundamentais de liberdade que se supôs. A liberdade de pensamento e autodeterminação foi substituída pela satisfação das necessidades. A compreensão de liberdade como autonomia do pensamento e da crítica foi gradativamente suprimida, substituída pelo conceito de liberdade como superação das necessidades materiais que o sistema industrial pode proporcionar.

O progresso técnico produtivo da sociedade industrial alcançou uma tal capacidade de organização capaz não apenas de fornecer os subsídios necessários para satisfazer as demandas das cidades, mas também a de promover uma racionalização da vida da sociedade como um todo. O processo de racionalização opera simultaneamente uma supressão da individualidade e consequentemente uma limitação da liberdade que acontece de forma silenciosa. Este fenômeno de alienação é mascarado pelo conforto material, devido a superação das necessidades materiais. “Uma não-liberdade confortável, muito agradável, racional e democrática prevalece na civilização industrial avançada, um sinal do progresso técnico” (MARCUSE, 2015, pg.41).

O amplo acesso aos bens de serviço e consumo acomodou os cidadãos em uma situação aparentemente confortável na qual o desejo de autonomia crítica e mesmo a capacidade de resistência ao sistema vigente perde força. A sociedade industrial avançada, como a vivenciamos, consegue impor seus princípios próprios ao mesmo tempo que suprime forças de oposição ao seu status quo. Com o passar do tempo, vários princípios do capital – sistema que domina a produção e a cultura – são incorporados à vida social sem que se tome consciência da privação de sua liberdade. Estruturou-se então um método de silenciar a resistência ao sistema dominante (político-econômico). Trata-se de uma versão moderna da tática do pão e circo, para distrair a base da sociedade que, mesmo sendo numerosa, não possui força devido à falta de articulação. “Diante de um crescente padrão de vida, a não-conformidade com o sistema parece ser socialmente inútil, ainda mais, se isso acarretar desvantagens econômicas e políticas concretas e ameaçar o bom funcionamento do todo” (MARCUSE, 2015, pg.42).

A forma como a sociedade ocidental contemporânea está tecnologicamente organizada desde sua industrialização, fez com que um caráter essencialmente totalitário fosse sutilmente incutido em seu sistema, uma vez que, por totalitária, se entende também uma coordenação técnico-econômica pacífica que manipula as necessidades dos indivíduos a fim de alcançar interesses próprios. Dessa forma essa sociedade se mostra totalitária, não por possuir caráter terrorista e violento, mas por manipular os interesses e as necessidades dos indivíduos, a fim de satisfazê-los e consequentemente enfraquecer a oposição ao próprio sistema. Tem-se no cenário social uma alienação disfarçada, sustentada pela cultura do consumo em massa, e sua base é o materialismo.

Segundo o filósofo Herbert Marcuse (MARCUSE, 2015), o grau de liberdade de uma sociedade não está relacionado à autonomia na escolha dos bens e serviços disponíveis na ampla variedade do mercado, uma vez que esses mesmos bens e serviços podem mascarar princípios que sustentam a dominação e a dependência ao sistema. A adesão às necessidades impostas pela cultura não denota autoconsciência nem tão pouco a liberdade dos cidadãos, antes comprovam a eficácia do processo de alienação. A verdadeira liberdade está associada intrinsecamente ao âmbito privado no qual o indivíduo é e permanece ele mesmo, porém esse âmbito foi afetado pelos interesses do capital – poder que controla o sistema – a ponto de que processos psicológicos de introjeção fazem-no perder sua individualidade. O enfraquecimento da individualidade – na qual reside o poder crítico da razão – é resultado do próprio processo pelo qual a sociedade industrial aliena e combate a oposição, expandindo sua ideologia – consumista, materialista e alienante.

A indústria da informação e do entretenimento são eficientes em difundir hábitos que se tornam estilo de vida, que por sua vez replicam os princípios categóricos consumista e materialista. Esse fenômeno é muito perceptível especialmente nas sociedades capitalistas ocidentais, nas quais o poder persuasivo da indústria da propaganda está fortemente estruturado em todos os âmbitos. Seja através dos produtos de bens e serviço, seja no entretenimento das grandes mídias e plataformas digitais. É uma cultura materialista e alienante que se impõe pelo poder da técnica e do bem-estar. O próprio discurso midiático determina o que seja liberdade, assim como o que sejam necessidades e inclusive uma vida feliz. Temos “uma sociedade avançada que converte o progresso científico e técnico em um instrumento de dominação” (MARCUSE, 2015, pg52). Ao mesmo tempo que fornece bens materiais, aliena os cidadãos de suas necessidades existenciais, como a liberdade, a transcendência e a autodeterminação.

Tudo passa a perder os sentidos de sublimação e transcendência ao ser objetivado e mercantilizado, o que demonstra a força totalitária, degradante do sistema. A perda da consciência causada pela deturpação dos conceitos e pela alienação contribui para formar o que Marcuse (MARCUSE, 2015) entende por consciência feliz, que faz os indivíduos serem condicionados a aceitarem sem contestação tudo o que lhes é oferecido, inclusive as desigualdades. Representa a consciência feliz do homem infeliz: a consciência manipulada. É a perda da autonomia e da capacidade de autodeterminação. A transcendência é então descaracterizada pelo intencional processo de dessublimação da cultura, enquanto a oposição é sistematicamente desmantelada.

O processo de libertação envolve necessariamente a tomada de consciência da realidade, a percepção do processo de alienação e dominação social que foi instalado. Precisa-se redescobrir e difundir amplamente o conceito de liberdade, necessariamente através da cultura, uma vez que o contexto de alienação se encontra especialmente no âmbito cultural. A cultura superior tem a função de sublimação, ou seja, favorecer a constatação das contradições da realidade e, consequentemente, levar o expectador a desenvolver uma análise crítica da própria vida e do mundo que o cerca. Ela tem o poder do antagonismo, da denúncia velada da realidade. Mas essa função da cultura foi corrompida na sociedade industrial tecnológica, pois foi dessublimada, massificada, perdendo sua função reflexiva ao assumir valores que apenas perpetuam o poder do capital, o Establishment. A cultura de massa, contrariamente à cultura superior – esta possui possui valores morais, intelectuais e estéticos – é propositalmente precária, vazia, fútil. Nesse contexto, as artes deixam de possuir força de conscientização e de transformação para assumirem a função de alienação na cultura massificada, sendo incorporadas na sociedade como mercadorias de entretenimento.

Essa nova forma de vida alienada, deturpada pelos valores materialistas – confortável e conformada com a realidade alienante – não é uma vida verdadeira, ou melhor, não é compatível com uma existência autêntica e verdadeira. Ela não corresponde à realização das potencialidades particulares e tampouco com os anseios do homem, mas apenas constitui a conquista dos pré-requisitos para a existência. Ela é, por si mesma, uma existência falsificada e desprovida de liberdade. A evolução técnico-científica, mesmo com todas as suas vantagens e concretas possibilidades de benefício à humanidade, pôde se tornar um instrumento ideológico de dominação, afastando o homem de si mesmo e consequentemente da sua realização. Os anseios da alma humana ultrapassam as necessidades materiais contingentes, vão muito além da ilusão materialista que o entorpecimento consumista é capaz de realizar.

“Se a procura do desenvolvimento pede um número cada vez maior de técnicos, exige cada vez mais sábios, capazes de reflexão profunda, em busca de humanismo novo, que permita ao homem moderno o encontro de si mesmo, assumindo os valores superiores do amor, da amizade, da oração e da contemplação. Assim poderá realizar-se em plenitude o verdadeiro desenvolvimento, que é, para todos e para cada um, a passagem das condições menos humanas a condições mais humanas” (PAULO VI, 1967, pg.7).

Abel de Pinho Mourão
(1º ano – Configuração)

Referência bibliográfica
Encíclica Populorum Progressio, 26 de março de 1967, pp.Paulo VI, p.7.
MARCUSE, Herbert. O homem unidimensional: estudos da ideologia da sociedade industrial avançada. São Paulo: Editora Edipro, 2015

ANSIEDADE: UMA PERSPECTIVA TEOLÓGICA

Sempre escutamos dizer que a Palavra de Deus é fonte de vida, mas o que isso de fato significa? Podemos afirmar com base nos relatos bíblicos que todas as vezes que o povo de Deus escutou a voz do Senhor, houve uma transformação profunda na vida deles. Isso foi o que aconteceu quando Moisés liderou a libertação do Egito, quando Abraão partiu para a região que Deus lhe havia mandado e quando Maria disse seu sim ao projeto divino. O profeta Isaías diz que a Palavra de Deus nunca deixa de cumprir sua finalidade. Ela é sempre atual, porque o nosso Deus é vivo, e isso implica que ela tem algo a nos dizer hoje, e que ela tem a força de transformar e salvar a nossa vida no presente, reconstruindo o que está destruído, alargando os horizontes da nossa existência, solucionando os problemas, e tornando-nos pessoas melhores. Sendo assim, o que ela poderia nos dizer sobre o problema atual da ansiedade? Ela pode nos indicar um caminho?

A ansiedade é uma reação natural que todo ser humano tem diante da vida, seja em situações de perigo, de incerteza ou quando é necessário planejar algo em relação ao futuro. Ela desencadeia sentimentos como angústia, aflição ou perturbação, que fazem com que o corpo entre em ação. Até aqui não há problema algum na ansiedade, pois é uma reação natural do organismo. Contudo, quando ela ocorre em alta intensidade, gerando sintomas físicos como, respiração ofegante, falta de ar, ânsia de vômito, entre outros, deixa de ser normal e passa a ser um transtorno.

Mas a pergunta é: por que transtornos de ansiedade tem acometido mais e mais pessoas atualmente? Uma das causas mais citadas entre os especialistas é o estresse. Numa sociedade cada vez mais tecnológica, individualista, consumista, de relacionamentos humanos frágeis, o ser humano fica quase que obrigado a acompanhar um ritmo de mudança muito além do que consegue. Além disso, a incapacidade de estabelecer vínculos afetivos estáveis e saudáveis, o coloca numa situação moral muitas vezes degradante, que desgasta e prejudica sua vida social. O que se pode constatar é isso: o homem vive uma contínua pressão em viver por causa do modo como a sociedade está estruturada, ou pelo menos, por causa de alguns valores que tem regido o comportamento social. Esses são alguns dos principais gatilhos para o estresse, e consequentemente, os transtornos de ansiedade.

Em última análise, a ansiedade é um modo de “prevenir” situações desagradáveis ou catastróficas, mas quem seguramente pode ter controle sobre isto? A propósito, a Palavra de Deus insiste que não podemos nem sequer tornar branco um só fio de cabelo! (Cf. Mt 5, 36). E recomenda não nos preocuparmos com o dia seguinte, afinal, cada qual já tem os seus próprios problemas (Cf. Mt 6, 34). Ao contrário, devemos entregar a Ele todas as nossas preocupações, porque ele tem cuidado de nós (Cf. 1 Pd. 5,7).

É preciso a humildade de reconhecer que há coisas que não estão sob o nosso controle, mas nem por esta razão estão sem controle. Há quem cuide disso por nós. Uma vez mais, faz-se necessário crescer na capacidade de se conformar com as próprias limitações e confiar mais em Deus.

Ir na contramão de uma sociedade hedonista que, inclusive, tornou o sofrimento um tabu; importa é ser feliz, são os slogans! E não é a ansiedade um modo de intolerância ao erro, a infelicidade e ao sofrimento? Por isso nos atencipamos! Mas o que esperar de uma geração acostumada a fugir dos próprio medos e fazer calar as próprias dores, não saber lidar e sentir os próprios fracassos? Contraditório, não! A ânsia por nos vermos livres do sofrimento já é por si mesmo um tipo de sofrimento que em nada ajuda. É preciso aprendermos a sofrer com paciência, e não ficarmos ansiosos; não um tipo de resignação, de conformismo, de ressentimento! É se sentir nas próprias inquietações, como isto afeta, como isto faz realocar valores, como se constrói com isto; porque também construímos com ruinas; a beleza dos vitrais ensina isto: dos cacos de nossas misérias, do que sobra, fagulha, migalha, dos cacos de vidros fazemos preciosos vitrais. A Palavra de Deus e a arte cristã nos dão claros indícios de que é possível superar todo mal. Não seria muito diferente em relação a ansiedade e aos sofrimentos que ela gera ou os que pretende evitar.

Adquirir a consciência de que não podemos alterar aquilo que já aconteceu ou de que não controlamos o futuro, deve nos incentivar ao abandono profundo de nossas vidas nas mãos de Deus. Assim como reza uma antiga oração: “Que Deus nos dê a serenidade para aceitar as coisas que não podemos mudar, coragem para mudar as que podemos e sabedoria para distinguir entre elas”.

Escrito por Igor Neves e Gabriel Ferreira, seminaristas da arquidiocese de Diamantina e Diocese de Guanhães, respectivamente.

POR QUE HOMENS SUICIDAM?

Também ficamos surpresos, mas se observarmos bem, o suicídio é mais comum entre homens, apesar de as tentativas serem maiores no caso das mulheres, segundo estatísticas. Fato é que o tema vem sendo debatido e preocupa a todos. Parece estar associado a um tipo de indisposição, sensação de impotência e incapacidade para lidar com realidades imprevisíveis; má administração de conflitos internos e externos e perda do sentido da vida.

Especialistas são unânimes em apontar que a solução energética é procurar alguém com quem desabafar sobre o problema; num segundo momento o acompanhamento de um profissional e o apoio familiar são indispensáveis. Hábitos saudáveis são ótimos preventivos, como boa alimentação, prática de atividades físicas e relações interpessoais maduras. Mas em todo o caso, a questão filosófica de fundo é a pergunta que todos nós procuramos responder: Qual o preço da felicidade?

A provocação é válida, porque quando se trata de um atentado contra a própria vida, não é o desprezo diretamente a existência que motiva a ação do homem, mas algo do viver que o torna infeliz. No fundo todos buscamos a felicidade. E é tão paradoxal que se deixar de existir possa significar algum tipo de alívio do sofrimento ou encontro com a felicidade, o homem faz esta aposta absurda. Todavia, existindo, mesmo infeliz, é preferível a não existir, embora o não existir não se apresenta como alternativa, afinal é o nada. Desse modo, para superar a infelicidade, maior deve ser o amor à existência, não o contrário!

Veja bem, dadas as disposições que favorecem a vida no planeta, tão matematicamente organizadas que bastaria redirecionar poucos milímetros e a vida seria extinta, o maior mistério do mundo continua sendo o próprio viver. A vida é absolutamente boa a ponto de o sofrimento e o mal apresentarem-se como anomalia, difícil de aceitar, por isto suscita atitude de revolta, levando em alguns casos ao ateísmo ou ao suicídio.

Se aprouve-lhe Deus, em sua presciência, tomar conhecimento do erros futuros do homem, e nem por essa razão deixou de o criar, não nos cabe o direito de menosprezar a existência alheia, nem a própria. Todo o existente é bom porque trata-se do desejo de Deus.

Então, longe de uma resposta capitalista, o custo de uma vida feliz costuma ser mais alto quando a própria existência é dada como penhor. Portanto, não pode a felicidade tratar-se de um busca solitária! Temos o compromisso de juntos procurarmos o bem do outro. Como disse em outras ocasiões, o maior interessado no bem estar do ser humano é Deus. Ele nos colocou aqui para que cada um possa ser feliz, e tal felicidade está intimamente relacionada ao fato de que Ele nos ama e é a pessoa mais interessada em nos ver bem; nem as mulheres, nem os homens, ninguém deveria esquecer disso!

Gabriel Ferreira Oliveira

Seminarista da Diocese de Guanhães

Dia de São João Evangelista

 

Hoje fazemos memória ao grande São João Evangelista que, além de um grande homem, também é o padroeiro de minha cidade (São João Evangelista-MG), que recebe o seu nome. Nome forte, mostrando também o modo de ser dos evangelistanos.

Um povo forte e guerreiro que sempre vai à luta, fazendo jus também ao sangue brasileiro.

Em uma das praças de nossa cidade se encontra uma águia. Mesma águia que encontramos aos pés de João.

Essa águia, teologicamente falando, mostra-nos que o evangelho se inicia do alto para baixo (cf. Jo 1, 1. 14). De uma outra forma, mostra a encarnação do Verbo divino que se faz carne para nos ensinar a viver e nos mostrar o que é ser humano, ou seja, é seguir os ensinamentos de Jesus, mas para isso é preciso voltarmos nosso olhar para dentro de nós.

O que isso quer dizer? Quer dizer que é necessária uma intimidade tão forte com Jesus que nos leve a deitar em seu colo, escutar o seu coração, assim como João fez na última ceia, quando foi referido como discípulo amado (cf. Jo 13, 23. 25).

Nós  nos questionamos sobre isso, pois ele era o discípulo amado segundo o Livro que ele mesmo escreveu.

Mas ao conversarmos sobre esta passagem com um de nossos irmãos, Marcelo Mendes, nos disse que ele só foi capaz de dizer tal coisa pelo fato de ter uma intimidade gritante com Jesus.

Achamos essa explicação magnífica, pois também nos é necessário ter essa intimidade com Jesus, igual João teve. Assim podemos experimentar a graça de entender porque um Deus tão grande se faz ser humano. A resposta está na vida de Jesus: para nos ensinar a viver e nos ajudar a construir um mundo melhor para nossos irmãos e irmãs.

Para explicar melhor a ideia de Jesus, citamos Gandhi, que nos ensina sobre a revolução que acontece dentro de nós.

E é nesse sentido que Jesus quer nos ensinar, instaurar primeiro o reino de Deus em nossos corações, e assim aprenderemos a ser mais fraternos na partilha do pão, entenderemos que todos nós somos iguais diante do altar, que pelo nosso batismo agimos in persona Christi, assim seremos capazes de entender e realizar o mistério da última ceia.

Que São João Evangelista nos ajude e interceda por nós a Jesus, para que possamos construir o reino de Deus, uma sociedade mais justa e fraterna. Que São Carlos de Foucauld, nosso irmão universal, rogue também por nós.

Alvim Aran Seminarista

“É necessário voltar a Belém”

O título deste texto é bem sugestivo para todos nós que seguimos a Jesus Cristo, provocando-nos a  uma reflexão profunda.

Esse convite partiu do Papa Francisco, em sua homilia direcionada ao Natal de 2021[1]. Um texto elucidativo, proposto por Dom Marcello Romano para fazermos nossa meditação em uma manhã de espiritualidade direcionada ao clero e aos seminaristas da Diocese de Guanhães, dia dezesseis de dezembro de 2022, neste Tempo do Advento em preparação para a  Celebração do Natal do Senhor.

Ficou claro para todos os presentes, após leitura e partilha comunitária, que precisamos voltar a Belém. Mas o que isso quer dizer? Bem, significa que precisamos voltar ao local simples que Jesus nasceu a fim de reencontrarmos a nossa simplicidade.

O que o Papa chama de “pequenez”, ressalta o contraste do império de Cesar Augusto e Jesus, que nasce num curral cercado por trabalhadores do campo.

Esse local simples que o Deus Menino nasceu é rico em significado. Quer, antes de tudo, mostrar um Deus que se faz presente em nossas vidas e em nossas histórias. Mas para isso é preciso deixá-Lo agir em nós.

Buscar as coisas simples da vida, assim como o Menino Deus, pois muitas vezes “nós continuamos a procurar a grandeza segundo o mundo, talvez até em nome d’Ele”,[2] nos lembra o Papa.

Dom Marcello nos trouxe um outro exemplo gritante para reflexão, o de Irmão Francisco de Assis, que buscou a simplicidade da vida; mostrando também que o Papa ao escolher esse nome não foi por acaso, pois o nome “Francisco” é mais que um nome, é um projeto. E este perpassa por nós e nos corações, uma Igreja aos moldes de Francisco,[3] uma Igreja Segundo Jesus Cristo.

Mas para isso é preciso voltar a Belém, voltar a nossas origens, olhar para dentro de nós. Assim como Jesus entrou na história do mundo de forma simples, deixá-Lo entrar em nossa história também para que sejamos simples, isto é, buscando uma sociedade melhor para nós e nossas famílias sem sermos corrompidos pelos poderes herodianos e farisaicos.

São Carlos de Foucauld, nosso irmão universal, rogai por nós.

———————————————————————————————-

[1]FRANCISCO. Homilia do Papa Francisco. Opus Deis, 06 de jan. de 22. Disponível em: < https://opusdei.org/pt-br/article/papa-francisco-natal-2021/#id_1 >. Acesso em: 19 de dez. de 2022.

[2]IBIDEM

[3]ARAN, Alvim. Uma Igreja aos moldes de FranciscoDiocese de Guanhães, 06 de jan. de 22. Disponível em: < https://diocesedeguanhaes.com.br/2022/05/26/uma-igreja-aos-moldes-de-francisco/>. Acesso em: 26 de mai. de 2022.

 Seminarista : Alvim Aran

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