O título sugestivo tem a intenção de chamar a atenção para uma discussão polarizada nos palcos da internet, acerca da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 (CFE 2021). Sem entrar nos méritos da discussão acalorada, movida e alimentada por visões ideológicas, é preciso compreender o que é a Campanha e qual a sua importância justamente no Tempo Quaresmal.
A Quaresma é um tempo oportuno e favorável de conversão, tempo de uma revisão de vida, de matar em nós o homem velho para ressuscitar, na Páscoa do Senhor, um homem novo.
Toda espiritualidade quaresmal se baseia na experiência do Êxodo, da saída da escravidão para a libertação plena em Cristo, a vida nova, e nesse caminho, somos convidados a três observâncias: jejum, oração e esmola, que nos ajudarão a olharmos para si, para Deus e para o outro.
Para vivermos realmente a conversão do Tempo Quaresmal, é preciso viver essas observâncias de maneira integral.
Não é saudável apenas um espiritualismo, uma quaresma só de penitência, sem oração, ou sem a caridade. Também só a oração, sem a penitência e a caridade, gera uma espiritualidade apenas vertical, desencarnada, etérea, o que não é uma experiência genuinamente cristã. Uma quaresma com rigorosas penitências e horas de oração, sem a caridade, também não é conversão.
A verdadeira experiência de fé nos leva a uma intimidade com Jesus na oração constante e profunda, e pela penitência nos ajuda a dominar os instintos e a aprender a depender de Deus em sua providência, e tudo isso desemboca na caridade operante, que nos impulsiona a tocar as realidades desse nosso mundo sofrido.
Não é possível se dizer seguidor de Jesus Cristo, Amor encarnado, cerrando os olhos para o sofrimento do outro, num mundo marcado pela violência, pela exclusão, pela pobreza, escravidão e pela indiferença.
A Campanha da fraternidade é justamente um desejo que brota no coração da Igreja no Brasil da vivência concreta e eficaz da observância da caridade, e assim entendida, pode fazer um bem enorme, nos ajudando no processo de conversão.
A Campanha nasceu com Dom Eugênio Sales, figura preclara do episcopado brasileiro, junto a um grupo de padres na Arquidiocese de Natal, depois foi se alargando sendo assumida pela CNBB, tendo como incentivadores bispos nobres, com uma aguçada sensibilidade social, como Dom Hélder.
O desejo da campanha, em sua raiz, é justamente voltar os olhos para os nossos irmãos mais necessitados, e, de maneira concreta, lutar para que tenham vida. A cada ano ela traz um tema de relevância social, e um lema bíblico como inspiração.
Uma coisa é a caridade que podemos fazer dando o pão a um irmão faminto. Tal atitude é de um valor extremo se movido pelos sentimentos de Cristo, no desejo de servi-Lo nos mais pobres.
De igual valor espiritual, e de maior abrangência é a luta pelos direitos dos excluídos, por políticas públicas capazes de combater a situação de miséria, de opressão, e a formação da consciência do povo de Deus quanto a realidade circundante.
O Santo Padre, em sua última encíclica, Fratelli Tutti, que Dom Walmor, presidente da CNBB, sugeriu como documento oportuno junto ao texto-base também para a CFE 2021, desenvolve amplamente, de modo mais contundente nos números 163-169, a caridade social. O Papa Francisco deseja despertar em nós a consciência que “o amor ao próximo é realista e não desperdiça nada que seja necessário para uma transformação da história que beneficie os últimos” (FT, 165)
É bom e justo darmos pão a quem tem fome, mas é igualmente bom e imperioso que perguntemos pelas causas da pobreza. A caridade que se faz ao irmão é importante, mas a caridade que se faz para o bem comum também tem seus méritos, e é esse o intento da Campanha da Fraternidade, aproveitando e unindo forças para o mesmo objetivo.
Nesse ano em que a CFE se propõe ao diálogo, produziu um texto-base pelo CONIC para orientar os desdobramentos e discussões acerca do tema.
Embora possa haver ideias indigestas presentes no texto, encontramos uma riqueza muito maior que são as provocações a um olhar mais acurado para o mundo que nos circunda, com situações que não fazem parte do projeto de Deus, como já citado, a violência, a exclusão, a corrupção, a economia desumana, entre outras.
Podemos, desde que com muito respeito e com bom embasamento, tecer críticas aos pontos que são divergentes da fé católica, de modo que estas, devidamente embasadas, sejam feitas com respeito e ouvidas, já que a CFE se dispõe ao diálogo.
Seria um contratestemunho atacar aqueles que expõem pontos de vista diferentes, fechando-se ao diálogo.
Há alguns exaltados, dum lado e de outro, que dão testemunho da necessidade da conversão ao diálogo dentro da Igreja. É inadmissível a forma belicosa como certos grupos expõem seu ponto de vista, desrespeitando os senhores bispos e a CNBB, tentando boicotar a coleta solidária, que serve justamente para os projetos caritativos tanto da Diocese quanto a nível nacional.
Bradam a reivindicação de uma quaresma como tempo de conversão. Mas um espiritualismo vazio, que é incapaz de olhar com amor as realidades sofridas desse mundo, não tem valor. Quaresma não é só tempo de oração, é tempo de ação também, duma caridade viva e operante, capaz de sofrer com os que sofrem, de sentir com o outro.
Vivamos bem essa quaresma. Rezemos mais e melhor, vivendo um encontro com Jesus na oração. Entrando, pela oração, no Coração de Jesus, vejamos quanta dor sente o Bom Deus pelos seus filhos que padecem nas situações extremas da vida.
Façamos nossas penitências de maneira frutuosa, não pelo gosto da penitência, mas pela via pedagógica da mesma.
Ao abster da carne, lembremos de quantos passam fome, sem o básico para sobrevivência. Ao tirarmos uma refeição, lembremos de quantos reviram latas de lixo procurando algo para satisfazer um pouco da fome.
Ao nos propormos acordar alguns minutos mais cedo, ou tomar banho gelado, lembremos de quantos não tem teto nem acessibilidade a água potável. E que toda essa espiritualidade tão importante desemboque numa caridade operante, fazendo o que está ao nosso alcance, estendendo as mãos para aqueles que precisam de nós, oferecendo nossa presença àqueles que não precisam só de bens materiais, mas da nossa presença fraterna, rezando pela conversão dos pecadores, a começar pela própria conversão, rezando pela unidade dos cristãos em torno da Verdade que é Cristo, presente na Igreja.
Além dessas ações, na medida do possível, lutemos pela promoção social, pelos direitos dos que estão à margem.
É inútil a Campanha da Fraternidade, se a levantamos como bandeira ideológica e esvaziamos o sentido da quaresma. Mas é muito útil, se a consideramos como um braço das observâncias quaresmais, que é a caridade social.
É bom podermos oferecer pão a quem tem fome, melhor ainda é oferecer condições dignas para que não exista entre nós famintos.
Que a Virgem Maria e São José, cujo ano celebramos, nos ajudem a trilhar um caminho de conversão, a voltar o nosso coração todo para Cristo, e, cheios dos seus sentimentos, olharmos afetiva e efetivamente pelos preferidos do Reino, sempre em comunhão com a Santa Mãe Igreja, e em obediência ao trono de Pedro, ocupado hoje pelo Papa Francisco.
Alisson Sandro Anacleto da Silva
Seminarista da Diocese de Guanhães