“Pedi e recebereis; buscai e encontrareis; batei e vos será aberto” (Lc 11,9)O Pai Nosso é a única oração que Jesus nos ensinou e resume de maneira simples sua mensagem, sua intenção e sua missão. Nela, Jesus expressa intimidade com o Pai e seu compromisso com os outros, especialmente os mais pobres e sofredores. Se rezado com atenção e profundidade o Pai Nosso é também, para nós, um itinerário de expansão de nós mesmos, uma proposta de descentramento.Tanto em sua forma reduzida (Lucas) como em sua forma mais extensa (Mateus), a oração do Pai- Nosso não faz referência a nenhum dogma especificamente cristão: nem Trindade, nem Jesus como Filho de Deus, nem Espírito Santo, nem Igreja, nem Eucaristia, nem sacramento… Também não contém nenhuma referência que seja exclusivamente judaica (nome de Javé, patriarcas, Moisés, Lei, Templo, cidade sagrada de Jerusalém, expiação ritual, tradições nacionais, alimentos puros, purificações, festas…).
Apesar de Deus ter muitos nomes nas diversas religiões, a deslumbrante oração ensinada por Jesus só aponta um nome: Pai. “Pai” é um nome que qualquer ser humano compreende, um nome que não fere nenhuma cultura e não fomenta qualquer sectarismo. Por isso, tudo o que a oração do Pai-Nosso pede é universal (pai, pão, perdão), sendo, ao mesmo tempo, muito judaico, muito cristão, ou seja, muito humano.
Isso é ser cristão: na intimidade com Deus, poder dizer “Pai” (ou “Mãe”). Saber que estamos envolvidos pelas mãos providentes e cuidadosas do Pai, que somos presença de Deus no mundo (que Ele vive e se expressa em nós), essa é a essência da oração cristã. Nada mais, só isso: “Abba”, Pai/Mãe, proclamado e vivido… para assim crescermos e sermos humanos a partir de Deus.
Como todo judeu, Jesus orava com freqüência em forma de súplica e petição. E o Pai-Nosso é uma grande petição. Nela manifestamos nossa atitude filial: reconhecer a Deus o direito de ser Pai. O ser humano recorre a Deus como pobre, limitado, extraviado… A oração de petição é uma atitude do pobre que tudo agradece e tem consciência de esperar tudo de Deus.
A petição como atitude, nos desarma de nossa auto-referência e nos faz sair de nós mesmos numa dupla direção: ao Pai e aos outros. Ela tem um sentido muito nobre porque com isso confessamos a nossa indigência diante de Deus, manifestamos a nossa confiança e reconhecemos a Sua grandeza, o Seu Santo Nome e o Seu amor para conosco. Ao mesmo tempo, nossa vida se abre para as necessidades de todos, tornando-nos porta-vozes dos mais carentes. Nesse sentido, a petição arranca de nosso egocentrismo, expandindo-nos e fazendo-nos participar do mesmo fluxo do amor e do cuidado do Deus Pai/Mãe que tudo sustenta e ampara.
A oração do Pai-Nosso, portanto, resgata-nos da acomodação e nos dá um choque de lucidez. Ela oxigena a nossa mente e implode nosso conformismo; é instigadora e provocativa, uma fonte inspiradora que nos liberta da rotina “normótica” (vida sem criatividade e sem inspiração). Pedir não é dobrar a Vontade de Deus a nosso favor; é, antes, colocar-nos em sintonia com Ele, e assim entendermos o que é melhor para o verdadeiro bem de todos.
Na petição, expressamos a Deus, com simplicidade e confiança, todas as nossas carências, nosso ser radicalmente necessitado. Expressamos diante de Deus nosso limite e nossa impotência. Manifestamos a Ele nossa confiança plena, baseada justamente no contraste entre nossa mesquinhez e o surpreendente “muito mais” da bondade e do amor de Deus, pois Ele está, a todo momento, comunicando-nos tudo, agindo sempre em nosso favor e para nosso bem. Tudo procede das suas mãos providentes e cuidadosas.
Na expressão “pedi e recebereis”, Jesus procura despertar, naquele que ora, a confiança no Pai. Isso é o que nos ensina, também, a parábola do amigo inoportuno no evangelho de hoje; o que esta parábola recomenda não é tanto a perseverança na petição, mas a perseverança na confiança; não nos diz que Deus se colocará ao nosso lado pela insistência com que o pedimos, mas que Deus sempre está de nosso lado, querendo dar-nos tudo o que de verdade necessitamos.
Ao entrarmos no fluxo do Amor providente do Pai, a oração de petição dilata o nosso coração para receber aquilo que pedimos. É uma mudança no coração de quem reza. O sentido da petição não está, pois, no pedir, mas nas atitudes fundamentais da pessoa que pede. O que tem sentido não é a petição em si, mas a humilde gratidão, a acolhida agradecida, a confiança incondicional.
As diferentes petições dirigem a nossa atenção no sentido de orientar a nossa vida e as nossas necessidades a partir de Deus. O pólo de atenção passa da nossa necessidade para a bondade de Deus. Sempre é uma oração em Deus, uma oração daquele que vive para Deus e confiando em Deus. Aquele que vive assim, sabe com segurança que todas as suas petições feitas “em Deus” são escutadas prontamente. Este é o mistério da oração suplicante.
Um outro aspecto deve ser ressaltado na oração de petição: não é só Deus que ouve o que lhe é pedido, mas aquele que ora, continua a orar, até se tornar ele mesmo, ouvinte do que Deus deseja para todos os seus filhos e filhas. A petição o arranca do individualismo e o situa no horizonte do outro. Todos somos seres carentes e necessitados. Orar é saber ouvir o que Deus quer de nós: não para fazer Deus entrar nos nossos planos, mas para que nós entremos em sintonia com a Vontade d’Ele.
A oração de petição nos revela se realmente cremos. Nela confessamos que dependemos de Deus e que sozinhos não nos bastamos. A oração bem feita é a pedra de toque de nossa fé e de nossa humildade. Aqui o que se destaca é a certeza de que Deus nos escuta. Nesse sentido, a petição nos mobiliza a buscar aquilo que pedimos.
Quando rezamos encontramos a força para fazer o que nós íamos pedir a Deus. Esse é o autêntico sentido da oração de petição.
Texto bíblico: Lc 11,5-13
Na oração:
– Aqui, não se diz o quê é que se pede. O importante é a atitude de pedir, buscar, chamar…
– É a experiência da paternidade divina que fundamenta nossa certeza e justifica nossa insistência.
– Quem é o centro em sua oração de petição? Você, os outros, a glória e o louvor de Deus?…
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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