Estamos no Ano da Paz! E a paz sempre é inquieta! E por quê? Por que a paz se constrói com nossos esforços, com nossa dedicação e com o nosso testemunho de fé e amor.
Aprovada por unanimidade na 52ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ocorrida de 30 de Abril a 09 de Maio de 2.014, o Ano da Paz teve início no Advento do ano passado, e vem ao nosso encontro com a proposta de um período de reflexões, orações e ações sociais que se estenderá até o Natal deste ano. Após a Quaresma retomaremos esta proposta. Todos nós somos convidados a pensar ações concretas que ajudem a despertar para a necessidade de cultivar a Paz, combatendo com o nosso testemunho de fé e fraternidade a cultura de morte e violência que nos cerca.
De acordo com os últimos dados do Mapa da Violência, mais de 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil em 2.012. Os jovens são os principais afetados neste contexto, somando mais de 27 mil vítimas naquele ano. O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz destaca que a onda de violência migrou das capitais para o interior, na esteira de novos pólos de crescimento econômico. Segundo Waiselfisz, as taxas de assassinatos em capitais e grandes municípios diminuíram 20,9%, no período de 2003 a 2012, enquanto as de municípios menores cresceram 23,6%. Certamente tudo isso deve nos preocupar muito! E preocupados desejamos não somente encontrar as causas, mas atacá-las na tentativa de encontrar soluções.
O Ano da Paz é uma oportunidade para refletir o porquê da violência, conscientizando-nos da necessidade de uma convivência fraterna, saudável, pacífica, fecunda e frutuosa. É oportunidade para as famílias refletirem sobre os seus valores, buscando dialogar e resgatar elementos que em muitos lares já se perderam, tais como o diálogo, o respeito, a obediência, a fidelidade, a fé, a ética, o amor e a alegria de estarem juntos, reunidos, em torno de uma mesa, por exemplo. Dom Leonardo Ulrich Steiner, Bispo Auxiliar de Brasília e secretário geral da CNBB, afirma que as relações mais próximas, na atualidade, encontram dificuldades de se manterem vivas e que há uma violência generalizada. “Violência que se manifesta na forma da morte de pessoas, na falta de ética na gestão da coisa pública, na impunidade. A violência, a falta de paz, provém do desprezo aos valores da família, da escola na formação do cidadão, do desprezo da vida simples”.
Como, então, definir a Paz? Será somente a tranquilidade da ordem, a ausência de lutas, de violências ou perturbações? Sabemos sim, que é tudo isso, mas sabemos também que o conceito de paz vai além da tranquilidade e da calmaria. A Palavra de Deus a define como uma situação permanente de felicidade, na qual se destacam os importantes aspectos de abundância de bens e convivência harmoniosa entre as pessoas. A palavra hebraica para paz é Shalom, usada como saudação e, ao mesmo tempo, como bênção e esperança. É uma meta. É o desejo de superação da injustiça. O Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, nos ensina que “a paz não é ausência de guerra; nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta de uma dominação despótica, ela é chamada “obra da justiça” e, por esta razão, a paz nunca se alcança duma vez para sempre, antes, deve estar constantemente a ser edificada” (nº 78). A paz não será autêntica senão quando for, como já o dizia o Profeta Isaías, o fruto da justiça: justiça entre os parceiros sociais e justiça entre os povos. E uma sociedade não será justa nem será humana senão quando respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana. Importa, então, tornar-se um ser fraternal, que sabe reconhecer a dignidade e as necessidades dos outros e procura cooperar com eles para criar um mundo de paz.
Diante disso nós perguntamos: será que um dia haverá verdadeira paz no mundo, diante de tantos escândalos, tantas injustiças e corrupção? A paz implica garantir que todas as pessoas tenham moradia, comida, roupa, educação, saúde, amor e respeito pela dignidade do outro. A violência também é fruto da exclusão e da rejeição, da falta de amor nas relações. O Ano da Paz deverá, portanto, nos ajudar na superação da violência e da injustiça em todos os níveis. “Despertar para a convivência cortês e fraterna. Para termos mais urbanidade, despertemos para a irmandade, conforme nos ensinou Jesus”. (Dom Leonardo Ulrich Steiner). É possível sim um mundo de paz e uma sociedade mais fraterna se todos nós, cristãos e batizados, homens e mulheres de bem, estivermos mais atentos no resgate de tantos valores que já se perderam, valores humanos e cristãos. A família, sem dúvida, como projeto de Deus para o ser humano, continua sendo o lugar onde se devem formar os homens e mulheres de paz. Por isso toda a atenção de um pai e de uma mãe para com os seus filhos é imprescindível e nunca será suficiente. Pai e mãe não podem dormir sossegados sabendo que seus filhos estão expostos aos usuários e traficantes de drogas, expostos aos financiadores da violência e da morte, expostos àqueles que lutam para destruir a cada dia os valores que ainda restam, expostos a um mundo virtual que traz benefícios, mas que também leva tanta gente a esquecer que este mundo virtual também faz parte do mundo real e faz com que tantos filhos e filhas de Deus se percam na pornografia, na imoralidade e tantas outras futilidades do mundo moderno.
Nós vivemos no interior. Nossa Diocese é praticamente rural. Tudo parece calmo e tranquilo. Porém, vez ou outra, somos surpreendidos com notícias de violência ou escândalos que nos abalam: homicídios, crimes passionais, violência doméstica, tráfico de drogas, alcoolismo; jovens que se sentem poderosos sobre uma moto e que saem em alta velocidade sem nenhuma responsabilidade causando a própria morte, dor e sofrimento para tanta gente. Ficamos chocados com a violência nos tempos de campanha política, com a corrupção e o descaso na área da saúde, com a falta de hospitais dignos que possam atender adequadamente à população, principalmente os mais carentes. É um absurdo um paciente ter que viajar de três a cinco horas para encontrar um tratamento. Todos nós precisamos rezar para nunca ficar doente!
Estamos no Ano da Paz! E a paz sempre é inquieta! E por quê? Por que a paz se constrói com nossos esforços, com nossa dedicação e com o nosso testemunho de fé e amor.
Dom Jeremias Antonio de Jesus
Bispo Diocesano