Hype da Igreja: devemos nos preocupar?

“Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e à riqueza.” (Mt 6,24)

 

Nos últimos dias, temos notado um crescimento no compartilhamento de conteúdos referentes à Igreja Católica. As lives do Rosário do Frei Gilson têm alcançado um número de visualizações inimaginável para as madrugadas. Padres tornando-se famosos em redes sociais, fiéis compartilhando as instruções do Missal Romano, religiosos participando de podcasts, igrejas cheias… Aparentemente, tudo está sendo benéfico. Então, não há motivos para preocupação, certo?

Precisamos aprofundar a análise. Comecemos com a primeira situação adversa de algo que está em hype: os “aproveitadores”. Coloquei o termo entre aspas para chamar sua atenção, pois não o utilizo de forma pejorativa. O termo é utilizado, no caso, para ilustrar os usuários que aproveitam a oportunidade de ter mais visualizações ao repercutir um conteúdo em alta. Uma das estratégias vendidas em cursos de “viralização” em redes sociais é aproveitar os assuntos em alta, gravando conteúdos sobre aquilo que está sendo amplamente divulgado pelas pessoas. Com essa estratégia, diversas personalidades das mídias geram conteúdos falando sobre o tema: alguns endossam, outros criticam, uns criam alguma polêmica sem se envolver nela (distorcem alguma informação e fingem que a polêmica foi iniciada em outro lugar, e eles estão apenas “divulgando o fato”), enquanto muitos se opõem ferrenhamente ao tema. Entretanto, na maioria das vezes, tudo não passa de um “teatro” em busca de engajamento. Nesse contexto, os “aproveitadores” exercem um papel fundamental para a manutenção do assunto em hype. Em outras palavras: “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”.

Antes de continuarmos a análise, é preciso esclarecer que este artigo não trata do Frei Gilson, nem sobre a polarização político-partidária. Sugerimos apenas a reflexão sobre o nosso comportamento, como cristãos, nas redes sociais e dentro da Igreja, influencers ou não, viralizados ou não.

Continuando a análise sobre os “aproveitadores”, ainda há o perigo do efeito Dunning-Kruger, uma tendência cognitiva que faz as pessoas superestimarem seus conhecimentos. Todo ser humano está sujeito a este fenômeno, pois ninguém é especialista em tudo. Para compreender o efeito Dunning-Kruger, podemos citar um exemplo clássico: alguém assiste a um vídeo de 15 minutos no YouTube sobre determinado assunto e sente-se especialista a ponto de fazer uma palestra ou tecer um longo comentário nas redes sociais sobre o tema. Com isso, um vídeo de 30 segundos sobre uma instrução do Missal Romano pode desencadear dezenas ou centenas de “remixes” de outros usuários das redes, comentando como se fossem especialistas, mesmo sem nunca terem participado de uma Missa.

Outro ponto que precisamos refletir com muita cautela é o funcionamento dos algoritmos. O código-fonte das plataformas é ajustado para priorizar conteúdos que façam o usuário passar mais tempo olhando para a tela. Há vários “gurus” da internet ensinando técnicas de criação de roteiro, gravação e edição de vídeos, storytelling, copywriting, call-to-action e muito mais. Mas, e quando o algoritmo detectar uma queda de interesse nos conteúdos religiosos, como lidaremos com isso? Lembre-se de que os influenciadores da Igreja não são apenas os famosos, mas todos nós, que comunicamos, de alguma forma, a Palavra de Deus. Será que teremos autocontrole suficiente para não deixar que a vaidade gerada pelos números de engajamento distorça a verdade do Evangelho? Será que, para obter muitos likes e comentários, eu serei capaz de produzir um conteúdo dizendo: “não perdoe, não ame, seja sempre o primeiro a atirar pedras…”?

De modo geral, a busca pelo engajamento pode fomentar a polarização doutrinária, tirando o foco de Cristo e da “Boa Nova”, pois a polêmica é uma das estratégias de viralização. Jesus deve ser o centro de nossas mensagens, e o Evangelho, a base para compartilhá-las, evitando que as tentações do mundo virtual distorçam a sua essência.

Há muitos perigos e tentações nesse ambiente da criação de conteúdo. É preciso ter temperança, manter-se em comunhão com Deus, nunca perder ou tirar de alguém a dignidade e primar sempre pela Verdade.

Por outro lado, como disse no início do texto, testemunhamos igrejas cheias, muitos fiéis estão participando das Missas pela primeira vez. Presenciamos pessoas sentadas e fazendo publicações nos stories durante a proclamação do Evangelho. E qual a nossa atitude diante disso? Estamos disparando olhares de julgamento e críticas, ou convidando os recém-chegados para conhecer melhor a Igreja? A iniciação cristã, as pastorais…

Acolher bem, com carinho, paciência, exemplificando os ensinamentos de Jesus, é o caminho para manter o interesse do indivíduo, mesmo que a hype passe. Pois, é mais importante o verdadeiro encontro com o Cristo do que a tendência momentânea.

 

Joel Fernandes
Assessor de Comunicação da Diocese de Guanhães

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