Vigilância ativa na espera do Senhor que vem
A Liturgia do 33º Domingo do Tempo Comum (Ano B) nos convida a olhar o passado e o futuro para viver melhor o hoje de Deus.
É um grande convite à esperança: Deus vai intervir na noite do mundo e mudar a história numa alegre aurora de vida, amor e luz.
Esperar vigilante o Senhor que vem, reconhecendo no presente Sua ação constante, revendo nossa participação na construção do Reino.
A passagem da primeira Leitura (Dn 12,1-3) retrata um difícil momento da História do Povo de Deus (séc. IVa.C), vivido sob a dominação do reinado do selêucida Antíoco IV.
Este rei queria impor a cultura helênica em todo o seu império e praticou uma política de intolerância para a cultura e a religião judaica.
O autor sagrado exorta à constância e a fidelidade, certo que isto assegurará a recompensa divina em sua maior expressão: a vida eterna.
É preciso manter firme a fé sem ceder à imposição de culturas que violem a tradição e a fé judaica.
A preocupação do autor é restaurar a esperança num tempo marcado pela perseguição. A fidelidade a Javé deve ser vivida apesar de toda dificuldade, incompreensão, intolerância e perseguição. Javé recompensará quem se mantiver fiel à Lei e aos Seus Mandamentos.
Esboçam-se os primeiros fundamentos teológicos da Ressurreição: não somos condenados ao fracasso; a fidelidade vivida garante a Ressurreição, a recompensa da vida eterna para o justo.
A mensagem, portanto, é de esperança: a vitória será daqueles que se mantiverem fiéis às propostas de Deus; que não sucumbirem aos valores efêmeros, mas pautarem a existência pelos valores eternos.
Em meio às dificuldades, o cristão não é um “profeta da desgraça”. A certeza da presença de Deus no seu caminhar traz em si a convicção de que a vitória final será de Deus e de todos os que permanecerem fiéis.
Não faz sentido que o cristão seja um profeta da desgraça, com um olhar derrotado para a história e o mundo, curtindo dentro de si o azedume e o pessimismo. Ao contrário, deve ser uma pessoa alegre e confiante, pois olha para o mundo com serenidade e esperança, sabendo que Deus guia a história da humanidade e cuida de cada um com intenso Amor.
Como será diferente o mundo se cultivarmos este olhar!
– Como vemos o mundo e os desafios que nos cercam?
– Por vezes também não podemos ser “profetas da desgraça”, pessimistas, sem esperança de que o mundo possa ser mudado, que a violência seja banida, que a exclusão seja superada?
A passagem da segunda Leitura (Hb 10,11-14.18) é dirigida a uma comunidade em que há a perda do entusiasmo; um povo cansado, fragilizado e sem esperança.
É uma exortação para que se viva uma fé mais coerente e mais empenhada tendo Jesus Cristo como o Sumo e Eterno Sacerdote, que fez de Sua vida uma oferenda, sacrifício uma vez por todas, para que o mesmo façamos, dando a nossa vida em contínuo sacrifício de louvor, entrega e amor.
O autor tem um objetivo explícito: despertar no coração dos crentes uma resposta mais decidida e forte ao Amor de Deus revelado por Jesus que nos amou com Amor sem limites.
Ele é o Servo fiel, vida doada, sacrificada com amor e por amor a nós. Assim, o cristão está inserido na dinâmica do amor que Jesus testemunhou, fazendo da vida um dom de amor, não desanimar, lutando sempre.
O caminho percorrido por Jesus é o caminho do cristão, certos de que a última palavra é sempre a Palavra de Deus, que nos quer salvar e nunca nos abandona, pois é próprio do Amor de Deus nunca desistir de nós para que sejamos melhores. Ele venceu a morte, e com Ele também podemos vencer.
A passagem do Evangelho (Mc 13,24-32) nos apresenta um discurso escatológico, profético/apocalíptico sobre o fim dos tempos: a espera da vinda gloriosa do Senhor.
Exorta à fidelidade, coragem e vigilância. Apesar das vicissitudes do tempo presente, o cristão deve viver na vigilância ativa e com lucidez, na espera da vinda gloriosa do Filho do Homem.
A passagem é um claro anúncio do Triunfo de Cristo sobre toda e qualquer forma de dominação que se possa viver. É um texto não para incutir desespero na mente e no coração dos discípulos, mas para despertar a confiança e a esperança de um mundo novo que está sempre por vir.
As Palavras de Jesus não são uma bela teoria ou um piedoso desejo, ao contrário garantem que o mundo novo, a vida plena e de felicidade sem fim, irá surgir, e não dispensa nossa vigilância e compromisso, nosso testemunho de fé.
A Palavra de Deus abre a porta à esperança. Deus não abandona a humanidade e quer transformar o mundo velho do egoísmo e do pecado num mundo novo de vida e de felicidade para todos.
A humanidade não caminha tragicamente para o holocausto, para a destruição, para o sem sentido, para o nada.
Com Jesus, ela caminha ao encontro da vida plena, com o desenvolvimento das potencialidades que o Senhor cumulou a todos. Não podemos ser omissos.
A religião assim vivida não será ópio. O cristão não pode deixar-se dominar pelo medo, pessimismo, desespero, discursos negativos, angústias. Cristão não é alguém deprimido, assustado, derrotado, mas alguém que tem fé frutuosa, visão otimista da vida e da história, caminhando alegre e confiante ao encontro do mundo que Deus prometeu:
“Uma interpretação unilateral e injusta das realidades humanas (favorecida, aliás, por certa pregação também unilateral e míope) fez com que muitos homens de nosso tempo encarassem com desconfiança a religião cristã, como se fosse inimiga do mundo, da vida, do progresso, do esforço humano; uma religião de evasão, de descomprometimento, de renúncia passiva e covarde; o ópio que entorpece o homem e dele retira todo interesse pela cidade terrestre, seduzindo-o com a promessa de um além feliz e ilusório” (Missal Dominical – p.1076).
Vigilantes, não podemos cruzar nossos braços na espera que um mundo novo caia do céu, mas, com palavras e gestos, é preciso por-se a caminho, cada um dando o melhor de si para a construção do Projeto de vida que Deus tem para nós.
Não há possibilidade que o cristão se feche em seu canto ou mesmo ignore a intervenção e ação divina, com seus apelos e Projetos.
O cristão precisa ficar atento às necessidades, e procurar a resposta com sabedoria, exatamente como Deus assim espera de cada um de nós e de todos nós.
Enquanto Ele não vem, intensificamos nosso empenho, renovamos a alegria e o entusiasmo da fé com engajamento mais frutuoso.
Ser no mundo o que a alma é para o corpo, como nos dizem os primeiros ensinamentos da Igreja: testemunhar com confiança, esperança vivendo a solidariedade, fidelidade, pois não há melhor modo de ficar vigilante esperando a vinda gloriosa do Senhor.
Somente colaboraremos para humanizar o mundo e as relações entre as pessoas, vivendo a partilha, serviço, perdão, amor, fraternidade, solidariedade e paz.
Fortalecendo os vínculos fraternos como Profetas da esperança de um novo dia, mas sem nos alienarmos do compromisso no tempo presente, de modo que a religião não se traduza numa fuga dos desafios, mas enfrentamento e superação dos mesmos. A fé exige combate, inevitavelmente.
O cristão é um peregrino longe do Senhor, e vivendo na penumbra da fé, vai discernindo os valores que são válidos e os não válidos; o que é atual ou apenas um modismo; o que é eterno e o que é efêmero, transitório.
Caminha acreditando que, de fato, romperá na escuridão do mundo a aurora de um mundo novo, vive a transitoriedade do tempo rumo à eternidade.
Vive também o limite do transitório para abraçar a eternidade, pois a transitoriedade e a eternidade são elementos constitutivos de nossa existência.
Da Mesa da Palavra vem a Palavra do próprio Deus, que é para nós, luz e força nas perseguições, dificuldades; segurança para que não nos entreguemos ao desespero e nem mergulhemos nos mares das dúvidas que a história oferece.
Da Mesa da Eucaristia nos vem o Alimento salutar, para que revigorados sejamos testemunhas d’Aquele que veio, vem e virá.
Agora é o nosso tempo da vigilância ativa,
com lucidez, coragem e sabedoria,
renovada e revigorada nas Sagradas Mesas
da Palavra e da Santa Eucaristia.