“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). Ver, sentir, cuidar: três verbos que vêm do coração.
Em umas das páginas mais lindas que São Paulo escreveu (Coríntios 12, 13,1-8)sobre a caridade=amor, ele não falou uma vez sequer que a caridade é querer que o outro nos queira. E para nós é sempre isso: eu amo porque eu quero ser amado. Sou amado para amar.
Ele diz que a caridade é benigna; na caridade não tem inveja, a caridade perdoa, tudo suporta. Suporta até o não-amor. O que os nossos amores não suportam, a caridade suporta. Tudo crê, tudo pode, tudo espera.
Segundo o texto de Lucas 10,2-37, na passagem do “Bom Samaritano” que inspira a Campanha da Fraternidade 2020, o levita e o sacerdote estavam “sem tempo” para ajudar aquele homem caído na beira da estrada.
É verdade, corremos o dia inteiro. Tempo, tempo, tempo… O deus-relógio manda em nós e, escravizados, a ele obedecemos. Também nós somos “levitas e sacerdotes” sem tempo. Aquele idoso esperando no corredor do hospital não é normal. Aquele jovem que se tirou a vida não é normal. Não pode ser normal. Mas, na correria, nosso olhar não vê mais nada, senão o relógio.
E a vida passa. O tempo passa. O vazio permanece. O relógio pode ser muito importante, mas ele não preenche algo que diz respeito a “outro tempo”. É o tempo do bem-querer.
Há caídos e machucados que estão precisando de ajuda. E há “samaritanos” morando e querendo viver dentro de nós. Precisamos deixá-los vencer nossos relógios.
Outras passagens bíblicas (Marcos, 6,31-34 – 8,1-9; Mateus 14,13-2115,32-29; Lucas, 9,10-17; João 6,1-13) nos contam que, ao final da tarde, os discípulos pediram que Jesus mandasse embora a multidão. Não tinham comida, apenas cinco pães e dois peixes.
Jesus afirmou que não mandaria ninguém embora, que era para repartir o que tinham ali. Todos, sentados na grama, comeram e ficaram felizes. Jesus sabia que o maior milagre de todos é saber partilhar. Ele viu, sentiu compaixão e cuidou.
O detalhe interessante é que o Evangelho de Mateus inicia dizendo que eles estavam no deserto. Depois Jesus os mandou acomodar na “grama” (cfMt 14,18). Como assim grama no deserto? Pois é. Há atitudes que transformam a secura em flor. Que transformam a terra em grama. Quando fazemos uma boa experiência de Deus, tudo pode se transformar.
Fico pensando e rezando quantas realidades secas que precisamos transformar em grama boa de sentar e conviver.
Falo de um pedido de desculpas que devemos para uma pessoa. Falo de uma capacidade de não repetir besteiras que ouvimos e começamos a divulgar. Por exemplo, as criticas que pessoas de dentro da própria “Igreja” vêm fazendo ao Papa Francisco. Falta consciência crítica, falta leitura, falta aprofundamento de tanta coisa. Parece que isso significa transformar o deserto em grama verde.
O milagre está em nossas mãos. Compaixão é a capacidade de colocar-se no lugar do outro e sentir com ele sua própria dor. Tocar o outro é devolver-lhe a certeza de que pertence à nossa humanidade. Há muitos desertos esperando alguém plantar grama. Ver, sentir compaixão e cuidar…
Pe Hermes Firmiano Pedro
Pároco da Paróquia São Miguel e Almas e Cura da Catedral São Miguel