Conduzidos pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC -, tendo como pauta central a articulação de uma rede de auxílio às pessoas e famílias brumadinhenses, reuniram-se, na noite de 8 de fevereiro de 2019, na paróquia São Sebastião, em Brumadinho(MG), lideranças religiosas – Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e Pastoral Universitária PUC Minas, Comissão Pastoral da Terra, Pastoral da Criança e do Menor, Pastoral da Juventude (PJ Leste II), Pastoral dos Pescadores, Grupo de Trabalho Mineração da CNBB e Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM Brasil), Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Causa Indígena (CNBB – Leste II), Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB – Leste II), Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), Comunidades Eclesiais de Base(CEBs), Movimento Shalon da Arquidiocese de Mariana, Movimento de Cursilhos de Cristandade do Brasil, Ação Social da Arquidiocese de Belo Horizonte, padres, bispos, diáconos, leigos e leigas cristãs -, voluntários, instituições envolvidas no apoio às vítimas e representantes dos atingidos pela lama da barragem de rejeitos da Mineradora Vale S.A.
Panorama
Analisou-se a situação dos atingidos com o rompimento da barragem de contenção de resíduos de mineração da Vale S.A. ocorrido em 25 de janeiro de 2019, crime humano e ambiental que vitimou pessoas, animais e flora – sobretudo no Córrego do Feijão – , contaminou rios, comprometendo a vida de milhares de pessoas – física e psicologicamente -, em meio a denúncias de irregularidades na documentação, críticas à insegurança do modelo de contenção à montante, descaso na atenção aos atingidos e familiares, a falha no salvamento de animais, suspeitas de lobbying ou articulação política de acordo com os interesses da empresa.
Ressaltou-se que economia da cidade é dependente, em sua maioria, da mineração (60%) e também do turismo. A cidade goza, em sua divisa com Mário Campos, de uma das mais importantes fontes de água mineral do mundo explorada pela empresa Hidrobrás (Água Ingá); também possui belas montanhas e natureza exuberante; um parque estadual onde há frequentes práticas de esportes radicais; circuito turístico e conjuntos paisagísticos; sem contar o Instituto Inhotim, considerado o maior acervo de arte contemporânea do Brasil e o maior museu a céu aberto do mundo. Tudo isso, favorece a economia e o turismo do município e da região que no momento estão fragilizados.
O fato de a base econômica de Brumadinho depender da mineração, como em outras cidades brasileiras, leva a população a, de modo geral, não enxergar como negativo o uso do minério de ferro, matéria prima da fabricação de peças de carros, trens e navios; instrumentos cirúrgicos e maquinário da medicina; prédios, casas e ponte; celulares e computadores; ferramentas, utensílios, eletrodomésticos etc. Todavia, todos condenam as formas e sistemas de exploração perversos que objetivam a exclusividade do lucro sobre as vidas humanas e animais, bem como sobre o meio ambiente, nossa casa comum.
É urgente exigir modelos de exploração de minério mais humanizados e ecológicos, que saibam fazer uso mais consciente da terra e que se preocupem com a garantia dos direitos humanos; reconhecemos que a matriz econômica do absolutismo do lucro sobre a vida não mudará facilmente e o jogo de um capitalismo vil continuará a produzir vítimas fatais e exclusões sociais. Entendemos que os sistemas perversos de mineração envolvem interesses econômicos de grupos fortes, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Trata-se de uma estrutura criminosa, covardemente arquitetada, porém bem organizada e lucrativa. Tudo gira em torno do lucro e envolve diversas estruturas, tais como a política. De acordo com o jornal O Tempo, “em 2014, último ano em que empresas privadas puderam realizar doações para campanhas políticas, mineradoras despejaram recursos nas campanhas de 102 deputados federais e estaduais eleitos pelo Estado, o que representa 78,4% do total dos que conseguiram vagas na Câmara Federal e na Assembleia Legislativa de Minas Gerais”. Ainda que os financiamentos privados de campanhas tenham terminado, há ainda denúncias de corrupção ou esforço de políticos, vinculados às empresas mineradoras, que favorecem licenciamentos ambientais e que votam leis e projetos de acordo com interesses desses grandes grupos econômicos não apenas em mineração, mas também em empreendimentos diversificados.
Sabendo-se que muitos municípios mineiros dependem economicamente das mineradoras, é preciso buscar o desenvolvimento de nossas cidades sem entrarmos – nos corrompermos – no jogo do capital, buscar o desenvolvimento humano sem sua autodestruição. Muitas prefeituras (e governos) acabam cedendo aos interesses de algumas minerações, possuidoras de modelos irresponsáveis de exploração, por causa do “medo” de inviabilizar o crescimento ou manutenção das políticas; ou seja, sob o risco de não receber mais o dinheiro de repasse destas empresas: um sistema difícil de ser transformado.
Discutiu-se sobre outras formas de financiamento: restauração de igrejas e monumentos históricos. É comum a participação de empresas como a Vale em parceria com órgãos do Governo para a produção de restauro, inclusive em processos que demandam altos valores de “investimento”. Isso não é caridade; o dinheiro “investido em projetos” não se compara aos lucros. De acordo com o SITE DO SENADO, “atualmente, as grandes mineradoras que exploram os recursos naturais brasileiros, são isentas de vários impostos. Toda essa isenção faz com que os cofres públicos deixem de arrecadar grandes quantias em dinheiro. Desta forma, os benefícios para a população brasileira gerados pela extração mineral, são completamente desproporcionais aos lucros das empresas mineradoras”.
Do mesmo modo, o fato ocorre em outros países; inclusive, há relatos de que algumas Igrejas Cristãs de Tradição Protestante na Europa têm ações em empresas de mineração e recebem grandes investimentos. Em encontros de ONGs e outros Organismo que debatem o tema das minerações naqueles continentes, já foram informados que houve pedido de alguns grupos de empresários ao Vaticano para que crie um selo que sinalize empresas que estão preocupadas com o cuidado com o meio ambiente; o que ajudaria a justificar a exploração mineradora. Na contramão desse pedido, o Papa Francisco tem denunciado os interesses perversos do mercado e reafirmando os pressupostos apresentados na Laudato Si, “uma encíclica, na qual o pontífice critica o consumismo, o desenvolvimento irresponsável e faz um apelo à mudança e à unificação global das ações para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas” (IHU – Unisinos).
É urgente que nos preocupemos com a casa comum e com o bem-comum. E se é grande o número daqueles que são religiosos no Brasil e no mundo, como diz o teólogo Hans Kung, “a paz depende da religião”. Esta é uma grande tarefa da qual todos nós não podemos nos livrar: denunciar com profetismo todas as formas de forças contrárias à vida.
Que sejamos corajosos para comunicar a verdade. Por trás de um jornalismo não isento aos interesses e, por vezes, sensacionalista há uma narrativa de que o ocorrido em Brumadinho e, anteriormente, em Mariana trata-se de um acidente. É necessário reconhecer que foi um “crime” contra a vida e o meio ambiente. Do mesmo modo, é preciso dar nomes: um crime cometido pela Vale S.A.
A nossa narrativa, bem fundamentada, precisa chegar a todos os cristãos e pessoas de boa vontade no Brasil e no mundo. Caso contrário, as consciências não saberão a verdade, o que provocará alienação, esquecimento, encobrimento das faltas, impunidade e o abandono das vítimas à própria sorte diante daqueles que compõem o jogo de interesse do mercado.
A história da mineração tem as suas raízes no século XVII, ainda na época do Brasil colônia, a partir das expedições dos bandeirantes com as chamadas “entradas e bandeiras”, início marcado pela ânsia de encontrar metais como o cobre, a prata, o ouro e as pedras preciosas no interior do país. Naqueles tempos a mineração já fazia as suas primeiras vítimas, não apenas os povos escravizados, mas também, transformou em inimigos os nossos povos originários que eram enfrentados, mortos e expulsos dos seus territórios.
Em Minas Gerais, a história não foi diferente. Basta ir a uma cidade histórica para conhecer a sua relação com as minerações. Diamantina, Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Sabará, Nova Lima, Rio Acima, Raposos, Barão de Cocais, Caeté, Itabira, Varginha, Araxá, Brumadinho, Itabirito, São Gonçalo do Rio Abaixo e muitas outras cidades carregam as marcas das minerações, desde templos sagrados ornados com os metais até as lendas e causos. Do mesmo modo, muitos são os casos de mortes em meio a isso tudo.
Outro caso recente é o crime humano e ambiental ocorrido com o desmoronamento da barragem de Fundão (da Samarco – Vale S.A) em Mariana; ocasião em que morreram 19 pessoas. A lama destruiu pessoas e a comunidade de Bento Rodrigues. Aliás, o Movimento de Atingidos por Barragens nos mostram que as mortes continuam acontecendo depois das tragédias devido a depressões, doenças, descaso dos poderes políticos e tantos outros problemas decorrentes de único episódio. Além dos sonhos destruídos, a lama de rejeitos também deixa para trás sonhos destruídos, viúvas, órfãos etc.
É verdade que o tempo traz conforto, ajuda a cicatrizar feridas, mas também pode gerar alienação. Com o passar dos anos, a comoção nacional vai dando lugar ao esquecimento. No caso de Bento Rodrigues, há relatos de “uma virada de papel”, as vítimas passam a ser “inimigas da cidade”; pessoas disseram aos desabrigados que os processos judiciais e indenizações que eles cobravam da Samarco estariam impedindo a empresa de retomar as suas atividades de exploração, o que estava gerando desemprego e dificuldades financeiras para as famílias, a falta de insumos para hospitais e atraso para o desenvolvimento da cidade de Mariana. Falta-nos compaixão… Por isso, a nossa narrativa não pode morrer, ela precisa permanecer porque é a história do povo atingido que luta com o restante de suas forças para reconstruir a vida.
Como pessoas religiosas, é importante nos perguntarmos: que tipo de teologia nos cabe aqui? Deus nos abandonou? Onde encontrar consolo? O que, como cristãos, podemos fazer? Como ajudar o povo a se organizar?
Partindo da última pergunta, os relatos dos atingidos nos mostram que não há como exigir do povo de Brumadinho uma organização para a luta neste momento, por isso toda ajuda é importante. Os brumadinhenses estão agora enterrando os seus mortos e, enlutados, buscam consolo. Todos sabem que a tragédia não é a vontade de um deus perverso que determinou ser a hora derradeira de aqueles morrerem. Como já dissemos: trata-se de um crime. E, sendo assim, o crime da Vale é ainda um pecado tão grave que interrompeu o projeto de vida e a missão a que cada pessoa fora vocacionada por Deus.
Com isso, a nossa teologia deve contribuir não para nos alienar senão para sermos profetas denunciando as formas de egoísmo humano e avareza que absolutiza o lucro, idolatra e serve ao deus dinheiro. A nossa teologia precisa ser viva! Que saiba silenciar para mergulhar no Mistério divino que a todos abarca e que mora no fundo da alma nos dando força para seguir e encontrar sentido, mesmo em meio a tanto sofrimento e a tanta lama de rejeitos e de corrupção. A nossa espiritualidade tem como fundamento um Cristo que passou pela cruz e ressuscitou para nos mostrar que a morte jamais vence o amor. A mística do amor se faz com oração e atitude, pois a oração sozinha não muda o mundo. Porém, a oração muda pessoas que podem, sim, transformar o mundo. Por isso, oremos para transformar as pessoas do mundo e transformar o mundo num ambiente mais humanizado.
É hora de dar a nossa contribuição a partir de uma mística inter-religiosa e ecumênica realizada ou organizada com a participação e protagonismo da comunidade brumadinhense, bem como com o devido contato com as redes de articulação existentes, sobretudo com a Igreja Católica, o CAPES, o grupo “Eu luto, Brumadinho vive” e as políticas públicas do município.
A partir de demandas apresentadas pelos atingidos e pelos religiosos que têm acompanhado a situação de perto, será importante o trabalho pastoral com as famílias após o fim das buscas pelos desaparecidos; exigir dos governos compromisso em defesa da vida e um modelo de mineração que se preocupe com o ser humano e com o meio ambiente, uma ecologia integral que valorize a todos, a cultura etc. Precisamos também mobilizar as pessoas a se organizarem e se manifestarem contra o modelo vigente de exploração que mata e produz excluídos. Lembramos que um dos caminhos para essa manifestação é o “grito dos excluídos” e a divulgação do que for acontecendo com os atingidos em Brumadinho e populações ribeirinhas para não cair no esquecimento e dar voz aos pequenos. É preciso que os debates em torno destas pautas adentrem as comunidades religiosas, as universidades e os nossos espaços familiares. Além de contribuir com as divulgações dos fatos, importante também divulgar as campanhas de doações, pois as necessidades se alteram; é necessário estarmos atentos. No tempo presente, há demanda de fraldas geriátricas e infantis, bem como de material escolar dado o início do ano letivo.
. Reunião com deputados: quarta-feira, dia 13 de fevereiro, reunião convocada e articulada por Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte, com a participação de deputados mineiros e outras autoridades do Estado. A pauta central: os assuntos relacionados às minerações, bem como exigir de cada representante do povo a luta em defesa de modelo de mineração mais preocupada com o meio ambiente e com a dignidade da vida.
. Fórum Permanente por Brumadinho: Apresentou-se e foi aprovada, a proposta de criação do “Fórum Ecumênico e Inter-religioso de Vigilância à Mineração” (FEIVIM) que se reunirá uma vez em cada mês (no dia 25 – o mesmo do rompimento da barragem). Cada entidade e organismo presente foi convidado a enviar representantes para as reuniões mensais do Fórum.
. Comissão do FEIVIM: Criou-se uma comissão para coordenar o Fórum Ecumênico por Brumadinho, sendo o CONIC o órgão articulador tendo como componentes alguns nomes das entidades presentes.
. Reunião do Fórum: Dia 25 de fevereiro haverá outra reunião em Brumadinho com as organizações convidadas.
. Carta-Manifesto: Nos próximos dias, a comissão do Fórum Ecumênico por Brumadinho apresentará uma carta-manifesto sobre o ocorrido e os impactos causados.
. Vigília de Oração: Nos dias 23 e 24 de fevereiro, cada comunidade religiosa é convidada a se reunir em oração pelos familiares e vítimas da lama da barragem de rejeitos da Vale. Se possível, as comunidade poderão ler, em determinado momento, os nomes daqueles que morreram.
. Celebração Ecumênica: No dia 25 de fevereiro, mesmo dia da tragédia do Vale do Paraopeba, haverá uma celebração ecumênica com as famílias do acampamento Pátria Livre (população ribeirinha que usava o rio Paraopeba para irrigação).
. Divulgação por parte das organizações cristãs: Os grupos religiosos foram convidados a divulgar todas as formas de comunicados relacionados aos grupos de apoio às vítimas da Vale, com objetivo de dar voz aos afetados. Aqueles que possuem contato com grupos religiosos e de defesas de direitos estrangeiros, podem ajudar repassando informações com o objetivo de alcançar e sensibilizar também a comunidade internacional.
. Release para a imprensa: Utilizar dos meios de comunicação religiosos ou não para divulgar as narrativas da comunidade e pessoas afetadas, inclusive dos órgãos de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente.
. Doações: Quando solicitados, ajudar a divulgar as campanhas em favor das vítimas. Importante destacar que há muitas doações de água e alimento. Do mesmo modo, não há mais espaço para o recebimento dessas doações em Brumadinho. Todavia, têm surgido demandas específicas em momentos diferentes, tais como material escolar. Há pontos de entrega de doações em Belo Horizonte.