CAPÍTULO V -O AMOR QUE SE TORNA FECUNDO – AMOR LAETITIA- DO PAPA FRANCISCO

papaO amor sempre dá vida. Por isso, o amor conjugal «não se esgota no interior do próprio casal (…). “Os cônjuges, doam para além de si mesmos a realidade do filho, reflexo vivo do seu amor…
1-Acolher uma nova vida. A família é o âmbito não só da geração, mas também do acolhimento da vida que chega como um presente de Deus. Cada nova vida permite-nos descobrir a dimensão mais gratuita do amor, que nunca cessa de nos surpreender.  Isto mostra-nos o primado do amor de Deus que sempre toma a iniciativa, porque os filhos «são amados antes de ter feito algo para o merecer».

Mas, «desde o início, numerosas crianças são rejeitadas, abandonadas e subtraídas à sua infância e ao seu futuro. Alguns ousam dizer, como que para se justificar, que foi um erro tê-las feito vir ao mundo. Isto é vergonhoso! (…) Que aproveitam as solenes declarações dos direitos do homem e dos direitos da criança, se depois punimos as crianças pelos erros dos adultos?» As famílias numerosas são uma alegria para a Igreja. Nelas, o amor manifesta a sua fecundidade generosa. Isto não implica esquecer uma sã advertência de São João Paulo II, quando explicava que a paternidade responsável não é «procriação ilimitada ou falta de consciência acerca daquilo que é necessário para o crescimento dos filhos, mas é, antes, a faculdade que os cônjuges têm de usar a sua liberdade inviolável de modo sábio e responsável, tendo em consideração tanto as realidades sociais e demográficas, como a sua própria situação e os seus legítimos desejos».
1.1-O amor na expectativa própria da gravidez. A gravidez é um período difícil, mas também um tempo maravilhoso. A mãe colabora com Deus, para que se verifique o milagre duma nova vida. Cada criança está no coração de Deus desde sempre e, no momento em que é concebida, realiza-se o sonho eterno do Criador. Hoje, com os progressos feitos pela ciência, é possível saber de antemão a cor que terá o cabelo da criança e as doenças que poderá ter no futuro, porque todas as características somáticas daquela pessoa estão inscritas no seu código genético já no estado embrionário. Mas, conhecê-lo em plenitude, só consegue o Pai do Céu que o criou: o mais precioso, o mais importante só Ele conhece, pois é Ele que sabe quem é aquela criança, qual é a sua identidade mais profunda. A mãe, que o traz no ventre, precisa de pedir luz a Deus para poder conhecer em profundidade o seu próprio filho e saber esperá-lo como ele é. Porque «os filhos são uma dádiva! Cada um é único e irrepetível (…). Um filho é amado porque é filho: não, porque é bonito ou porque é deste modo ou daquele, mas porque é filho! Um filho é um filho. A cada mulher grávida, quero pedir-lhe afetuosamente: Cuida da tua alegria, que nada te tire a alegria interior da maternidade.
1.2-Amor de mãe e de pai.  Toda criança tem direito a receber o amor de uma mãe e de um pai, ambos necessários para o seu amadurecimento íntegro e harmonioso. Se, por alguma razão inevitável, falta um dos dois, é importante procurar alguma maneira de o compensar, para favorecer o adequado amadurecimento do filho. O sentimento de ser órfãos, que hoje experimentam muitas crianças e jovens, é mais profundo do que pensamos. O enfraquecimento da presença materna, com as suas qualidades femininas, é um risco grave para a nossa terra. De facto, «as mães são o antídoto mais forte contra o propagar-se do individualismo egoísta. (…) São elas que testemunham a beleza da vida». As mães transmitem, muitas vezes, também o sentido mais profundo da prática religiosa: nas primeiras orações, nos primeiros gestos de devoção que uma criança aprende (…). A presença paterna e, consequentemente, a sua autoridade são afetadas também pelo tempo cada vez maior que se dedica aos meios de comunicação e à tecnologia da distração. Estar presente não significa ser controlador, porque os pais demasiado controladores aniquilam os filhos». Não é bom que as crianças fiquem sem pais e, assim, deixem de ser crianças antes do tempo.
2-Fecundidade alargada. Àqueles que não podem ter filhos, lembramos que «o matrimônio não foi instituído só em ordem à procriação (…). E por isso, mesmo que faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimônio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida». Além disso, «a maternidade não é uma realidade exclusivamente biológica, mas expressa-se de diversas maneiras»: a) A adoção é um caminho para realizar a maternidade e a paternidade de uma forma muito generosa. Adotar é o ato de amor que oferece uma família a quem não a tem; sobretudo nos casos de filhos não desejados, evitando assim o aborto ou o abandono; tornam-se mediação do amor de Deus que diz: «Ainda que a tua mãe chegasse a esquecer-te, Eu nunca te esqueceria» (Is 49, 15). Mostra um aspecto importante da paternidade e da filiação ajudando a reconhecer que os filhos, quer naturais quer adotivos ou acolhidos, são em si mesmos outro sujeito e é preciso recebê-los, amá-los, cuidar deles e não apenas trazê-los ao mundo. B)Convém lembrar-nos também de que a procriação e a adopção não são as únicas maneiras de viver a fecundidade do amor. Mesmo a família com muitos filhos é chamada a deixar a sua marca na sociedade onde está inserida, desenvolvendo outras formas de fecundidade que são uma espécie de extensão do amor que a sustenta. Nenhuma família pode ser fecunda, se se concebe como demasiado diferente ou «separada». Lembremo-nos que a família de Jesus, cheia de graça e sabedoria, não era vista como uma família «estranha», como um lar alheado e distante da gente. Por isso mesmo as pessoas sentiram dificuldade em reconhecer a sabedoria de Jesus e diziam: «De onde é que isto lhe vem? (…) Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria?» (Mc 6, 2.3). «Não é Ele o filho do carpinteiro?» (Mt 13, 55). Isto confirma que era uma família simples, próxima de todos, integrada normalmente na povoação. Um casal de esposos, que experimenta a força do amor, sabe que este amor é chamado a sarar as feridas dos abandonados, estabelecer a cultura do encontro, lutar pela justiça. Deus confiou à família o projeto de tornar «doméstico» o mundo, de modo que todos cheguem a sentir cada ser humano como um irmão. Com o testemunho e também com a palavra, as famílias falam de Jesus aos outros, transmitem a fé, despertam o desejo de Deus e mostram a beleza do Evangelho e do estilo de vida que nos propõe. Assim os esposos cristãos pintam o cinzento do espaço público, colorindo-o de fraternidade, sensibilidade social, defesa das pessoas frágeis, fé luminosa, esperança ativa. A sua fecundidade alarga-se, traduzindo-se em mil e uma maneiras de tornar o amor de Deus presente na sociedade.
2.1-Distinguir o Corpo. Nesta linha, convém tomar muito a sério um texto bíblico que habitualmente é interpretado fora do seu contexto ou duma maneira muito geral, pelo que é possível negligenciar o seu sentido mais imediato e direto, que é marcadamente social. Trata-se da primeira Carta aos Coríntios (11, 17-34), onde São Paulo enfrenta uma situação vergonhosa da comunidade. Nela, algumas pessoas facultosas (Que dispõe de grandes recursos; rico, opulento) tendiam a discriminar os pobres, e isto verificava-se mesmo na ágape que acompanhava a celebração da Eucaristia. Enquanto os ricos se deleitavam com seus manjares, os pobres olhavam e passavam fome: «Enquanto um passa fome, outro fica embriagado. Porventura não tendes casas para comer e beber? Ou desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm?» (vv. 21-22). A Eucaristia exige a integração no único corpo eclesial. Quem se abeira do Corpo e do Sangue de Cristo não pode ao mesmo tempo ofender aquele mesmo Corpo, fazendo divisões e discriminações escandalosas entre os seus membros. Na realidade, trata-se de «distinguir» o Corpo do Senhor, de O reconhecer com fé e caridade, quer nos sinais sacramentais quer na comunidade; caso contrário, come-se e bebe-se a própria condenação (v. 29). Este texto bíblico é um sério aviso para as famílias que se fecham na própria comodidade e se isolam e, de modo especial, para as famílias que ficam indiferentes aos sofrimentos das famílias pobres e mais necessitadas.
3. A vida na família em sentido amplo. O núcleo familiar restrito não deveria isolar-se da família alargada, onde estão os pais, os tios, os primos e até os vizinhos. Nesta família ampla, pode haver pessoas necessitadas de ajuda, ou pelo menos de companhia e gestos de carinho, ou pode haver grandes sofrimentos que precisam de conforto.
3.1- Ser filho.  Em primeiro lugar, falemos dos pais próprios. Jesus lembrava aos fariseus que o abandono dos pais é contrário à Lei de Deus (Mc 7, 8-13). Não faz bem a ninguém perder a consciência de ser filho. Em cada pessoa, «mesmo quando se torna adulta ou idosa, quando passa também a ser progenitora ou desempenha funções de responsabilidade, por baixo de tudo isso permanece a identidade de filho. Todos somos filhos. E isto recorda-nos sempre que a vida não no-la demos sozinhos, mas recebemo-la. O grande dom da vida é o primeiro presente que recebemos» (Ex 20, 12). O vínculo virtuoso entre as gerações é garantia de futuro e de uma história verdadeiramente humana. Uma sociedade de filhos que não honram os pais é uma sociedade sem honra (…). É uma sociedade destinada a encher-se de jovens áridos e ávidos». Mas há também a outra face da moeda: «O homem deixará o pai e a mãe» (Gn 2, 24), diz a Palavra de Deus. Às vezes, isto não é cumprido, nunca se chegando a assumir o matrimónio, porque falta esta renúncia e esta dedicação. Os pais não devem ser abandonados nem transcurados, mas, para unir-se em matrimónio, é preciso deixá-los, de modo que o novo lar seja a morada, a proteção, a plataforma e o projeto, e seja possível tornar-se verdadeiramente «uma só carne» (Gn 2, 24). Sucede, em alguns casais, ocultar ao próprio cônjuge muitas coisas, que entretanto se dizem aos pais, chegando ao ponto de se importar mais com as opiniões destes do que com os sentimentos e as opiniões do cônjuge. O matrimónio desafia a encontrar uma nova maneira de ser filho.
3.2- Os idosos.  «Não me rejeites no tempo da velhice; não me abandones, quando já não tiver forças» (Sl 71/70, 9). É o brado do idoso, que teme o esquecimento e o desprezo. Isto interpela as famílias e as comunidades, porque «a Igreja não pode nem quer conformar-se com uma mentalidade de impaciência, e muito menos de indiferença e desprezo, em relação à velhice. Devemos despertar o sentido coletivo de gratidão, apreço, hospitalidade, que faça o idoso sentir-se parte viva da sua comunidade. Os idosos são homens e mulheres, pais e mães que, antes de nós, percorreram o nosso próprio caminho, estiveram na nossa mesma casa, combateram a nossa mesma batalha diária por uma vida digna». Por isso, «como gostaria duma Igreja que desafia a cultura do descarte com a alegria transbordante dum novo abraço entre jovens e idosos!». As suas palavras, as suas carícias ou a simples presença ajudam as crianças a reconhecer que a história não começa com elas, que são herdeiras dum longo caminho e que é necessário respeitar o fundamento que as precede. Quem quebra os laços com a história terá dificuldade em tecer relações estáveis e reconhecer que não é o dono da realidade.  A falta de memória histórica é um defeito grave da nossa sociedade. É a mentalidade imatura do «já está ultrapassado».
3.3- Ser irmão.  A relação entre os irmãos aprofunda-se com o passar do tempo, e «o laço de fraternidade que se forma na família entre os filhos, quando se verifica num clima de educação para a abertura aos outros, é uma grande escola de liberdade e de paz. Talvez nem sempre estejamos conscientes disto, mas é precisamente a família que introduz a fraternidade no mundo. Por isso, «a fraternidade na família resplandece de modo especial quando vemos a solicitude, a paciência e o carinho com que é circundado o irmãozinho ou a irmãzinha mais frágil, doente ou deficiente».  Esta aprendizagem, por vezes fadigosa, é uma verdadeira escola de sociabilidade. Nos casos em que não se pôde ter mais de um filho, é preciso encontrar formas de a criança não crescer sozinha ou isolada.
3.4- Um coração grande.  Com efeito, além do círculo pequeno formado pelos cônjuges e seus filhos, temos a família alargada, que não pode ser ignorada. Aí se integram também os amigos e as famílias amigas, e mesmo as comunidades de famílias que se apoiam mutuamente nas suas dificuldades, no seu compromisso social e na fé. Esta família alargada deveria acolher, com tanto amor, as mães solteiras, as crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação dos seus filhos, as pessoas deficientes que requerem muito carinho e proximidade, os jovens que lutam contra uma dependência, as pessoas solteiras, separadas ou viúvas que sofrem a solidão, os idosos e os doentes que não recebem o apoio dos seus filhos, até incluir no seio dela «mesmo os mais desastrados nos comportamentos da sua vida». Por fim, não se pode esquecer que, nesta família alargada, estão também o sogro, a sogra e todos os parentes do cônjuge. Uma delicadeza própria do amor é evitar vê-los como concorrentes, como pessoas perigosas, como invasores. Estas atitudes são também uma excelente maneira de exprimir a generosidade da dedicação amorosa ao próprio cônjuge.

Como é que Francisco deseja que as famílias interajam com o mundo em seu redor ? Qual é o papel da família alargada? Qual a relação dos filhos com os seus pais ? Qual o papel dos avós numa família?
Pe José Aparecido dos  Santos

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