Iniciado o Tempo Comum da vida litúrgica da Igreja, há poucos domingos, e celebrados os momentos solenes conforme o calendário litúrgico, chegamos ao tempo quaresmal – oportunidade para o peregrino de esperança saborear na fé, o jejum, a penitência e a caridade.
Para que se tenha êxito no itinerário quaresmal, é importante questionar, qual o exercício espiritual agrada a Deus (cf. Is 58, 1-12)? Nesta passagem, o autor sagrado apresenta o apelo do Senhor aos corações, que se encontram na contradição, pois esperam, que Ele os acolha e liberte, mas não fazem tudo que prometem. Jejuam ao Senhor, oferecem-no sacrifícios – contudo, oprimem e humilham os irmãos. Qual jejum agrada o Senhor? A resposta vem no versículo 6: romper com a injustiça, dar pão ao faminto, acolher os desvalidos, vestir os nus e não lhes ignorar as feridas. Aprendemos então que, não é só abster-se de carnes – embora preceituado pela Igreja, mas sim; estender o coração e gestos concretos àqueles que nos cercam.
Misericórdia quero (cf. Os 6,6) e não sacrifícios! Lendo este versículo, lembremo-nos da penitência, processo de conversão do pensamento, das palavras e das atitudes. O Homem pensa muito, e nesse mundo imediatista, inúmeros são os prisioneiros do falar e os sem tempo ao devido silêncio. Sim! É preciso falar, mas também, silenciar e ouvir o Verbo que se fez Carne e habitou entre nós (cf. Jo 1,14). Suas palavras geram inquietações a ponto de gerar vida, mas as nossas palavras? “Quando digo a alguém: ‘_você é um peso para mim, um nada. Não tenho nada a ver com você’. Essas palavras matam algo nele: a esperança de uma vida com sentido, a esperança de ser percebido e aceito. Apenas uma fala clara, que vem do coração, consegue purificar as manchas no ser humano.”[1]
Nesse sentido, é preciso voltar-se ao senhor; converter-se aprendendo dele que é manso e humilde de coração. Ele amou, sonhou, pensou e viveu segundo o coração do Pai, porque Ele e o pai são um (cf. Jo 10, 30) e deseja que assim, seja também com o ser humano – sua imagem e semelhança. O homem novo é renovado em espírito e em verdade. Nesta quaresma seria interessante caminhar em procissão até o irmão, que humilhei, renovar as veias da solidariedade, que ficam por vezes entupidas por distrações, trocar as quatro paredes da solidão virtual pela espontânea presença em momentos de família, amando-os sem nada dizer como peregrino da Esperança (Rm 5,5). Eis um bom itinerário para penitenciar-se.
Por fim, não menos importante, estender-se por inteiro à caridade, que pulsa do coração do verdadeiro discípulo de Cristo – não com atitudes gravadas pelas câmeras da vaidade, e sim pela discreta solidariedade da mão direita (cf. Mt 6,3). Isso é possível segundo a ação do Espírito Santo, que ora e age em nós. Ouçamos o Senhor que olha para o manso e humilde, que treme ao ouvir suas palavras (cf. Is 66, 2). Ele, o Senhor nosso Deus, não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (Ez 33, 11). Assumamos, então, nosso itinerário quaresmal com jejuns e preces, buscando a conversão do coração e a tão precisa festinans Mariae, presteza de Maria – caridade sem medida.
[1] GRÜN, Anselm. Falar e silenciar: por uma nova cultura do diálogo atencioso. Trad. Markus A. Hediger. Petrópolis, RJ: vozes, 2017.