Ecos da alegria – Por Dom Walmor Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O coração humano foi feito para a alegria, que gera força, fecunda a criatividade e é fonte perene de humanização. Há, pois, uma permanente e legítima busca pela felicidade. Mas, no contexto atual, muitas pessoas, valendo-se da liberdade e da autonomia, tomam rumos que levam às satisfações efêmeras, distanciando-se da verdadeira alegria, que é permanente. Corre-se, assim, o risco de apegar-se ao que é efêmero, por falta de capacidade para discernir bem. Um drama existencial que conduz muitos a experimentarem sensações agradáveis, mas que são fugazes, alcançadas a partir de futilidades e da indiferença em relação às outras pessoas. Essa atitude egoísta configura um ciclo perverso, viciante, em que é alimentada a necessidade de experimentar, a qualquer preço, alegrias efêmeras para ocupar um vazio na interioridade, nunca plenamente preenchido.

Esse fenômeno existencial incide na vida de muitas pessoas, influenciando fortemente as dinâmicas sociais. Cria-se, assim, um campo fértil para manipulações, descompromisso com a solidariedade, disputa predatória, esquemas de corrupção. Na raiz desses problemas está a equivocada convicção de que o poder e as posses são garantias de felicidade duradoura. Uma crença muito comum, que mostra bem como a cultura de um povo é determinante para a sociedade tornar-se capaz, ou não, de conquistar a verdadeira alegria. Certamente é bem mais feliz um povo que consegue perceber a alegria como algo diferente de certas sensações – euforias e sentimentos passageiros, conquistados a partir de atitudes que muitas vezes desrespeitam os parâmetros da ética. Uma sociedade com essa capacidade de discernimento alcança equilíbrio em diferentes campos, a exemplo da política e da economia, pois as alegrias duradouras se propagam, geram ecos.

Já a satisfação efêmera não sacia o coração humano de sua sede de sentido.  Cada alegria passageira, quando se esvai, deixa uma lacuna interior que contribui para desajustar a vida humana, impactando negativamente os humores e as razões. Esse vazio existencial evidencia algo urgente: é preciso aprender a buscar a felicidade duradoura, dedicar-se a um processo de aprendizagem para conquistar, progressivamente, envergadura humana e espiritual. Assim será possível reconhecer, por exemplo, que a vitória em uma partida de futebol não é alegria duradoura, e a derrota também não é “o fim do mundo”, porque existem coisas mais determinantes e razões maiores que definem o futuro de uma pessoa ou do próprio povo.

A existência humana é uma construção. Tem seus altos e baixos, as sombras e as luzes, mas deve ser sempre uma busca pelo que confere sentido e sustenta a vida: as alegrias verdadeiras que geram ecos, desdobrando-se em diferentes tempos e lugares. Na procura pela autêntica felicidade, vale recordar uma lição de São Francisco de Assis.  Certo dia, em diálogo com Frei Leão, São Francisco explicou que a verdadeira alegria não reside em certos acontecimentos, aparentemente grandiosos, mas na qualidade de cultivar a paciência e de não se perturbar diante das adversidades da vida. A autêntica alegria, que produz ecos, desdobramentos, não nasce de estímulos meramente externos, da posse de certos bens. É fruto da interioridade, da capacidade de enxergar, com clareza, uma hierarquia de virtudes e ações.

Para se conquistar essa clarividência e experimentar a verdadeira felicidade, há uma fonte referencial que é imprescindível: o Evangelho de Jesus Cristo, que aponta caminhos e recomenda práticas capazes de fazer com que cada pessoa seja fonte de alegria duradoura. A Palavra de Deus tem força para corrigir os descompassos da sociedade contemporânea, em que muitos, alucinadamente, buscam alegrias efêmeras, exatamente por falta de envergadura interior. E um itinerário educativo que contribui para levar os ensinamentos do Evangelho à vida cotidiana está delineado na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, do Papa Francisco.

Dentre as muitas indicações da Exortação Apostólica estão a busca pela superação de um modelo econômico que gera exclusão, o combate à idolatria do dinheiro – que nega a primazia do ser humano – e o reconhecimento de que o trabalho é fundamental para a realização da pessoa.  Particularmente, o Papa Francisco alerta que é preciso vencer a desigualdade social que alimenta a violência. Afinal, a miséria de muitos é sinal de que tantos outros procuram, de modo equivocado, a alegria, acumulando quase tudo para si, o que faz crescer uma grande massa de excluídos. Eis, pois, um desafio existencial a ser assumido por todos, com desdobramentos na vida social: à luz do Evangelho, reconhecer o primado da ética na busca pela verdadeira felicidade – a alegria duradoura, que gera ecos. 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

A Palavra do Pastor
Presbíteros testemunhas da mansidão e da doçura

Presbíteros testemunhas da mansidão e da doçura

    Ajudai, Senhor, a fim de que todos os presbíteros mantenham a mansidão e a doçura, virtudes tipicamente cristãs,...
Read More
O Presbítero e os meios de comunicação social

O Presbítero e os meios de comunicação social

Sobre a missão dos Presbíteros nos meios de comunicação social, sobretudo neste tempo que estamos vivendo, em que se multiplica...
Read More
Cidades mais humana

Cidades mais humana

   “Eu vi Satanás cair do céu, como um relâmpago” (Lc 10,18) É sempre oportuno e necessário refletir sobre a...
Read More
Ensina-me, Senhor, a perdoar como Vós perdoastes

Ensina-me, Senhor, a perdoar como Vós perdoastes

                                       ...
Read More
“Graça, misericórdia e paz”

“Graça, misericórdia e paz”

Reflexão à luz da passagem da Carta do Apóstolo Paulo a Timóteo (1 Tm 1, 1-2.12-14). Retomo os dois primeiros...
Read More
“A caridade é a plenitude da Lei”

“A caridade é a plenitude da Lei”

“O amor não faz nenhum mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da Lei.” (Rm 13,10) Com...
Read More
Pães ázimos de pureza e verdade

Pães ázimos de pureza e verdade

“Assim, celebremos a Festa, não com velho fermento, nem com fermento da maldade ou da perversidade, mas com os pães...
Read More
Urge que ampliemos os horizontes da evangelização!

Urge que ampliemos os horizontes da evangelização!

De modo especial, dedicaremos o mês de setembro à Sagrada Escritura. Procuremos valorizá-la cada vez mais em nossas comunidades, sobretudo...
Read More
Cristãos leigos e leigas perseverantes no amor

Cristãos leigos e leigas perseverantes no amor

Vivendo o terceiro ano Vocacional, reflitamos sobre a graça da missão realizada pelos cristãos leigos e leigas na obra da...
Read More
“Presbítero segundo o Coração de Jesus”

“Presbítero segundo o Coração de Jesus”

Uma reflexão sobre o ministério e a vida do presbítero, à luz dos parágrafos 191-204, do Documento de Aparecida (2007),...
Read More

Empresas que possibilitam este projeto: