BÍBLIA E LITURGIA DA PALAVRA: A ESPIRITUALIDADE DO PROFETA ISAÍAS PARA O ANO LITÚRGICO.
Segundo a Dei Verbum “a Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida quer da Mesa da Palavra de Deus, quer da do Corpo de Cristo” (Dei Verbum. N. 21.). A leitura da Bíblia para a Igreja Católica tem algo de singular, pois através da Tradição Litúrgica, a Igreja propõe ao longo do Ano leituras bíblicas que fundamentam e ajudam na celebração dos Mistérios do Cristo; assim, “cada ação litúrgica está, por sua natureza, impregnada da Sagrada Escritura” (Verbum Domini. N. 52.). Desse modo a Constituição Dogmática sobre a Liturgia ao falar das presenças de Cristo e sua importância para a Mesa da Palavra diz que: “Cristo está presente na sua palavra, pois é ele quem fala quando na Igreja leem as Sagradas Escrituras” (Sacrossanctum Concilium.N. 7.). Por isso, a mesma Constituição diz “para que a Mesa da Palavra de Deus seja preparada com maior abundância, abram-se largamente os tesouros da Bíblia para que sejam lidas ao povo as partes mais importantes da Sagrada Escritura” (Sacrossanctum Concilium. N. 51.).
Seguindo a pedagogia do Ano Litúrgico, a Mesa da Palavra propõe aos batizados leituras das páginas mais importantes da Bíblia que, guiadas pelos Mistérios de Cristo, nos propõem um vínculo inseparável entre a mesa da Palavra e mesa da Eucaristia. Assim, Palavra e Eucaristia constituem os pilares de nossa fé e de nossa espiritualidade (Cf. Verbum Domini. N. 54.).
Desde o primeiro domingo do Advento iniciamos um novo ciclo de leitura da Bíblia na Liturgia da Igreja, chamado Ano A, dedicado à leitura do Evangelista Mateus. No entanto, também temos uma extensa leitura do profeta Isaías nesse período, uma vez que, nossa Tradição vê uma ligação intrínseca entre o Novo e Antigo Testamento, pois, “o próprio Novo Testamento se diz em conformidade com o Antigo e proclama que, no mistério da vida, morte e ressurreição de Cristo, encontraram o seu perfeito cumprimento as Escrituras Sagradas do povo judeu” (Cf. Verbum Domini. N.40.). Por isso, a importância desses textos na Liturgia é insubstituível (Cf. Verbum Domini. N. 41.). Para explicarmos melhor, subdividiremos em Blocos temáticos conforme segue abaixo:
A espiritualidade do Profeta Isaías para o Ano A
O Profeta e sua Obra
O livro do profeta Isaías é o mais extenso de toda Sagrada Escritura. Composto por 66 capítulos que podem ser divididos em três partes: (a) Cap. 1-39; (b) Cap.40-55; (c) Cap.56-66. O profeta Isaías é filho de Amós. Teve sua atividade desenvolvida em Jerusalém entre os anos 735-700 durante os reinados de Ozias, Joatão, Acaz e Ezequias (Cf. Is 1,1). O contexto nos mostra a aliança com o Egito e que o domínio da Síria será fortemente condenado pelo profeta. Isaías iniciou sua missão ainda muito jovem, provavelmente com 20 anos. Deus o chamou para denunciar os pecados do povo e a destruição de Israel, em contrapartida, vemos também uma grande expectativa de esperança com a vinda do Messias, conforme ele mesmo nos diz: “Virão muitos povos e dirão: Venham, subamos ao monte do Senhor, ao templo do Deus de Jacó, para que ele nos ensine os seus caminhos, e assim andemos em suas veredas. Pois a lei sairá de Sião, de Jerusalém virá a palavra do Senhor” (Cf. Is 2,3).E principalmente em sua profecia que é singular para a Tradição católica sobre a mãe do messias: “o próprio Senhor vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Emmanuel, que significa Deus Conosco” (Cf. Is 7,4).
O profeta na Liturgia da Palavra
Se a obra de Isaías é bem extensa, por outro lado, sabemos que a Liturgia da Palavra constitui-se de três ou quatro leituras bíblicas, sendo que, salvo raríssimas exceções, a primeira leitura é sempre do Antigo Testamento. Assim, para esse novo Ano Litúrgico, temos como foco as leituras do Profeta Isaías. Sua peculiaridade é tanta que, dento da Liturgia, em nenhum dia do Advento ele deixa de ser lido. O fato dessa leitura intensa não é por acaso, está fundamentada na relação que existe entre a preparação da vinda do Messias e o seu cumprimento com o nascimento de Jesus. Desse modo, entendemos que Isaías tem um vínculo espiritual com o período do Advento. Não obstante, nenhum outro profeta disse que o Messias se chamaria “Emmanuel, Deus conosco”, e também, “nasceu para nós um menino, que será conselheiro do Altíssimo e levará sobre os seus ombros o império” (Cf. Is 9,5-6).
De modo pedagógico, que é algo próprio da Liturgia da Palavra, a leitura do profeta Isaías é distribuída em quatro blocos, a saber: Advento-Epifania; Batismo do Senhor-Tempo, Tempo Comum (25ª à 27ª semana).
Isaías no Advento e Natal
Assim, no primeiro bloco lemos o profeta desde os primeiros dias do Advento até 17 de dezembro. As leituras desse período contemplam o perigo da invasão assíria, a Queda do Reino do Norte (721), e dez anos mais tarde, a tomada de Jerusalém. O profeta insiste que não se devem fazer alianças com os poderes desse mundo, pois se deve esperar unicamente o auxilio que virá de Deus. Assim, o conteúdo desses textos é uma temática muito apropriada para o tempo do Advento, no qual a Liturgia busca intensificar sua esperança na vinda do Cristo nos inserindo na História da Salvação.
A partir de 17 de dezembro, o contexto das leituras do profeta Isaías muda de foco, pois se inicia o período de leituras sobre Jerusalém invadida por Ciro, o rei da pérsia. Nesse contexto trágico, o povo é feito escravo e renasce a perspectiva da vinda do Messias. Para essa fase, os textos do profeta colocados na Liturgia são cheios de otimismo e esperança; por isso, ajudam a Igreja por meio de sua proclamação, refazer a caminhada de fé e centralizar sua esperança no Messias, Jesus Cristo, que está vindo. O último Domingo do Advento a leitura do profeta gera uma expectativa litúrgica muito forte, pois é colocada a narrativa em que o Rei Acaz, diante das desgraças vividas pelo povo, Deus mesmo, dá-lhe um sinal, dizendo pela boca do profeta: “eis que uma virgem conceberá e dará a luz um filho” (Cf. Is 7,14). Assim, essa leitura gesta nos fiéis a expectativa e ao mesmo tempo, a confirmação, para o nascimento do Messias que será o nosso Salvador, Jesus Cristo.
Nas Celebrações do Natal, temos a presença do profeta nas Missas da Vigília, Vespertina e do Dia do Natal do Senhor. As leituras são distribuídas com os respectivos temas: Missa do Galo: Foi-nos dado um filho (Is 9,1-6); Missa Vespertina: Eis que vem o teu Salvador (Is 62,11-12) e Missa do Dia do Natal: Todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus (Is 52,7-10). Desse modo, fecha-se o ciclo de leitura do profeta e retorna conforme veremos abaixo.
Isaías entre a Epifania e Batismo do Senhor
No período após o Advento, chamado de Epifania, a liturgia lê a terceira parte do livro de Isaías, como, por exemplo, no dia da Epifania lemos Is 60,1-6, que versa sobre o tema do brilho do Senhor; e no dia do Batismo, lemos Is 42,1-4. 6-7, que aborda o tema do servo de Deus. Estas são leituras compostas depois do Exílio, assim, o povo está cheio de esperança para recomeçar diante das dificuldades de reconstruir Jerusalém; porém, o profeta assegura que Deus está com eles (Is 42,6-7). Desse modo, para nossa espiritualidade bíblica, essas leituras nos asseguram que Deus está conosco e que somos o Novo Templo de Deus, em que Ele habita (1Cor 3,16). Contudo, nós somos tidos como lugares da morada divina, ou seja, pessoas epifânicas que manifestam para o mundo a presença de Deus em suas vidas. Assim, entende o significado para nós da liturgia da Epifania do Senhor, que se encerra o ciclo da leitura do Profeta Isaías.
Isaías no Tempo Comum
A leitura do profeta nesse período litúrgico também é significativa, pois há intercalação com o Evangelho de Mateus ocasionando leitura em tempo contínuo e intercalado. Por isso, Isaías será lido no 2º. 3º. 5º. 8º. 15º. 18º. 20º. 21º. 25 -º 29º Domingos do tempo Comum do Ano A.
Conclusão
Com essa breve explicação sobre a relação Bíblia e Liturgia da Palavra, quisemos expor o modo peculiar da leitura bíblica dentro da Liturgia e, consequentemente, para toda a Igreja. Desse modo, é importante que os fiéis se dediquem à leitura da Palavra de Deus seguindo o ritmo litúrgico para beber da espiritualidade bíblico-litúrgica. Não obstante, penso que, com essa breve exposição, seja importante sublinhar que, para quem não conhece a Liturgia da Igreja diz de modo bastante simplório que “católico não conhece ou não lê a bíblia”. O que demonstramos não ser verdadeiro, ao menos para a nossa Tradição Litúrgica que, em uma liturgia semanal, lê três leituras bíblicas. Outro dado importante para se frisar é que para nossa Tradição não se separa a Mesa da Palavra da Mesa da Eucarística. Em outras palavras, não se separa Missa de Leitura Bíblica, pois uma faz a outra e vice-versa.
Autor: A-R AMARAL. É seminarista da Diocese de Guanhães. Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia pela PUC-RIO. Mestrando em Teologia Bíblica pela mesma Universidade. Pós-graduado em Ensino da Filosofia pela Universidade Candido Mendes-RJ e História do Brasil pela Faculdade de São Bento-RJ. Atualmente exerce seu ministério pastoral na Paróquia Nossa Senhora do Patrocínio.