CARTA DE VITORIA-ES 2016
Fórum das Pastorais Sociais do Regional Leste II da CNBB
“A palavra dos profetas é como uma lampadazinha que brilha em um lugar escuro até que o dia clareie e o astro da manhã brilhe em nossos corações” (2 Pedro 1,19).
Reunidos no Centro de Formação Dom João Batista, em Vitória – ES, nós, representantes das Pastorais Sociais do Regional Leste II da CNBB, vimos, por meio desta, manifestar à Igreja e à sociedade algumas de nossas reflexões e preocupações das quais nos ocupamos nestes dias, com os olhos fixos na desafiante realidade dos pobres, do nosso planeta, iluminados pela Palavra de Deus e auxiliados pela Campanha da Fraternidade de 2017 cujo tema é: Fraternidade: Os Biomas Brasileiros e a Diversidade da Vida e o Lema: Cultivar e guardar a vida (Gênesis 2,15).
Auxiliados por Frei Olavo Dotto, estudamos a Encíclica do papa Francisco, Laudato Sí, sobre o cuidado com a casa comum, a qual nos fez descobrir que nossa missão consiste em fornecer à humanidade os fundamentos humanos e espirituais que promovam atitudes concretas de apoio e de defesa deste patrimônio da humanidade, o nosso planeta. É um desafio que se impele a todo ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, ao qual lhe fora confiada a missão do cuidado com a criação, fazendo-se jardineiro do Éden.
E do encontro do papa Francisco com os movimentos sociais na Bolívia, recordamos que as mudanças virão destes. “Os povos querem ser artífices do seu destino. Nenhum poder tem direito de privar os países pobres do pleno exercício da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de colonialismo que afetam seriamente as possibilidades de paz e justiça, porque “a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no respeito pelo direito dos povos, sobretudo, o direito à independência”.
“Defendemos uma economia na qual o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo o sistema de produção e distribuição, de tal modo, que as capacidades e necessidades de cada um encontrem um apoio adequado no ser social”.
Denunciamos o crime sócio ambiental da Samarco/Vale/BHP, decorrente do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana – MG, no dia 05 de novembro de 2015, que destruiu a fauna e flora da quinta maior bacia hidrográfica do Brasil, com mais de 700 km de extensão de água, prejudicando a vida de quase dois milhões de habitantes, cujos culpados lamentavelmente, ainda não foram punidos e os reparos aos danos ambientais e socioeconomicos sequer foram efetivados.
Denunciamos ainda, o aumento do agronegócio e sua prática indiscriminada na utilização de agrotóxicos, contaminando o alimento, as populações, o solo, o ar e a água.
Repudiamos a PEC 241/55/2016, que agride o Estado Democrático de Direito, restringindo os recursos públicos aos pobres, os que mais precisam das políticas públicas.
Repudiamos a violência e a criminalização dos movimentos sociais e populares.
Auxiliados pela Assistente Social Tânia Silveira e Pe. Nelito Dornelas, estudamos sobre a Campanha da Fraternidade do próximo ano e fomos provocados a visitar o Brasil, a partir dos seus seis biomas, a saber: Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado, Pampa, Pantanal e Amazônia.
A redescoberta dos biomas é uma condição fundamental na constituição da comunidade de vida que dele nasce e se sustenta e situa-se na linha do Bem Viver dos povos Quéchua e Aymara dos Andes.
Bem viver não é o mesmo que viver bem, mas é algo como vida em plenitude, muito semelhante com a proposta de Jesus: Eu vim para que todos tenham vida.
Quando se fala de vida em plenitude, está se fazendo uma referência a viver em harmonia entre o material e o espiritual, consigo mesmo e com a Mãe Terra. Em última instância, saber conviver com tudo o que nos rodeia, com a comunidade de vida.
No momento em que o mundo ocidental vive uma crise profunda – na realidade, produto de múltiplas e profundas crises, crise financeira, social, política, climática, alimentícia e, no fundo, uma crise de vida, e de modelo estrutural e de civilização –, é nesse momento em que se vê o Bem viver como um novo paradigma que pode nos ajudar a sair do caos em que vivemos.
Os princípios básicos do Bem viver dialogam com a nova consciência de pertencimento a um bioma e faz parte de uma espiritualidade esclarecida e comprometida com a libertação integral das pessoas e da natureza. Destaque-se a centralidade do respeito aos empobrecidos como sujeitos da história e não como vítimas condenados ao fracasso ou destinatários de nossas ações assistenciais. Nomeia-se como o lugar de onde provém a legitimidade dessa espiritualidade, a própria vida ameaçada, seja pelo sistema socioeconômico e cultural, pela opressão e exclusão nas relações de gênero e de etnia, bem como, a destruição da natureza e do meio ambiente e a mercantilização da vida. Encara-se o planeta Terra não como um lugar cheio de recursos a serem explorados, mas como um organismo-casa, do qual também fazemos parte como uma comunidade de vida, assumindo como primeira aliança estabelecida pelo Criador com Abraão, que é uma aliança de fé e também com Noé, uma verdadeira aliança ecológica.
Só o respeito aos Direitos da Terra poderá resgatar sua saúde e favorecer nosso Bem viver, Pertencer, Conviver e Ser.
É evidente que, se todos os direitos da terra forem respeitados, a produção de riquezas sofrerá uma drástica redução. Mas, pensando bem, mais cedo ou mais tarde o apagão dos recursos naturais obrigará nossa espécie a viver pobremente. Trata-se de iniciar desde agora o processo de redução geral de riquezas e nos prepararmos para um modo de vida mais simples.
Assumimos este debate sobre o Bem viver, visando transformá-lo em expressão política de uma Sociedade do Bem viver para todos e na superação de uma sociedade do viver bem para alguns poucos. Ao Bem viver indígena, acrescentamos o Pertencer dos quilombolas e o Conviver e Ser da tradição cristã.
Fraternalmente,
Dioceses presentes ao Seminário: Vitória, Leopoldina, Januária, Juiz de Fora, Itabira,Colatina, Luz, Governador Valadares, Guanhães, Divinópolis, São Mateus, Uberlândia, Pouso Alegre e Mariana.
Vitória, Espírito Santo, 4 a 6 de novembro de 2016.
Enviado por Maria Ângela.