Em um abrigo de idosos, uma criança corre para todos os lados, fazendo do momento permanente brincadeira. Lá, no cantinho da sala, um senhor está atento ao programa da TV. Em um dado instante, o idoso apresenta sinais de cansaço. Foi possível ouvir ao longe:
– Nossa! Não tem nada que presta na TV. Que programa ruim! Quanto mau gosto! Credo!
Depois desse sussurro ensurdecedor, o velhinho ficou cabisbaixo, pensativo, preso certamente a lembranças. Talvez com saudade de alguma coisa. Em nós, espectadores daquela cena, ficou o desejo de lhe perguntar sobre a vida, de lhe pedir que nos contasse histórias, que deixasse o sofá e a TV sozinhos e que nos fizesse companhia. E, quem sabe, nos desse sábios conselhos. Nós e ele não precisávamos da TV, mas uns dos outros. Sedentos como estamos de bons ouvidos, mas somente daqueles que saibam escutar de fato.
Enquanto tudo isso passava por nossas cabeças, a criança reapareceu, roubou-nos a coragem, mostrou-nos como se faz. Aquela criança fez-nos lembrar dos versos de Alberto Caeiro: “… pensar é estar doente dos olhos…” Aquele pequeno ser não pensou. Inocentemente aproximou-se do senhor, mirou-lhe cabisbaixo. Nós ficamos apreensivos, pensamos, porque doentes: “Ele não vai gostar, vai espantá-la dali logo”. Para a nossa surpresa não foi o que ocorreu. A criança olhou, percebeu, incomodou, tocou-lhe o rosto, fez o movimento para cima. Parecia até chamar por ele. Não usou palavras, mas disse: “Acorde, vovô, corra comigo, brinque comigo, por favor!” Daquele gesto nasceram as lágrimas, as nossas e as do vovô.
A criança nos surpreendeu. Brincar não é uma ação que se realiza sozinho. “Por que não brincamos todos?” Foi o que ela nos perguntou com aquele gesto. Infelizmente, a rigidez vai nos prostrando. A seriedade, retirando-nos a leveza. Para nós que pensamos, o olhar fica debilitado, não sentimos nem percebemos como o outro está ao nosso lado. Não nos tornamos solidários ao instante do outro. Aquela criança não olhou por cima. Ela não se colocou como a mais jovem, bonita, importante. Ao contrário, colocou-se abaixo, olhou nos olhos, lá onde o olhar do velhinho já não mirava ninguém. “Amar é a eterna inocência…”, lê-se em O Guardador de Rebanhos.
Luís Carlos Pinto
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