Examinar a história e investigar seu sentido corresponde a uma interrogação sobre nossos próprios caminhos, sobre nossa própria vida: como chegamos aqui? Como viemos? De onde viemos? Para onde vamos?
Certamente que na auto-análise da história pessoal muitas suspeitas nos levam, quase sempre, às origens: onde nascemos, de quem nascemos, como vivemos e fomos educados. Tudo isso alicerça a resposta final, fundamental: estamos exatamente no resultado de nossas escolhas, conscientes e inconscientes.
Assim não seria diferente um ainda que raso olhar sobre o momento atual de nosso país. Estamos no exato produto de nossas escolhas.
Durante anos que certamente duraram mais que 365 dias cada, de tão longos que foram, a sociedade brasileira viveu sob o manto dos saruês, poderosos coronéis dos bens e do capital, com uma classe trabalhadora subjugada ao peso de quem mandava. A política era um jogo de cartas marcadas, e a economia atuando como rio: correndo somente para o mar!
Em algum momento tomou curso no seio da sociedade aquela faísca que aos poucos tornou-se chama. A chegada da classe trabalhadora ao poder, após 502 anos de história não se deu por acaso. Foi fruto de um conjunto de acontecimentos que repuxaram o pêndulo da história para a esquerda. Isso não se deu somente no Brasil, mas em toda a América.
Em nossa região esse movimento expressou-se, fundamentalmente, nos Grupos de Reflexão e nas Assembléias Diocesanas: A voz e a vez do Povo! Um povo que até então não havia sido sujeito de sua história e estava sendo chamado a sê-lo. Chamado inclusive a comunicar-se, através das rádios comunitárias, dos jornais alternativos. Chamado a se envolver nas causas populares, na medicina alternativa, na pastoral da criança. Teve oportunidade de descobrir que “há política de uns e política de outros. Tudo é político!” (D. Pedro Casaldáliga – Anel de Tucum).
A ascensão dos trabalhadores ao poder não foi fruto do acaso, mas do movimento que se criou, permitindo que o fato acontecesse. Durante 14 anos as políticas sociais – essas que aqueles que as acham injustas chamam de populistas! – tiveram alguma prioridade na agenda político-econômica do Brasil.
Dois erros foram fundamentais para que a crise desse modelo se instaurasse até chegar ao ápice com a derrubada da Presidenta.
Primeiro: ao chegar ao poder, a liderança esqueceu-se dos liderados e afastou-se deles.
Segundo: as margens de mudança conjuntural são pequenas, pois a estrutura é quem determina os rumos da nação.
Logo que chegou ao poder o governo popular cooptou as principais lideranças dos Movimentos Populares, arrefecendo a luta por direitos, que estava apenas começando. Líderes dos trabalhadores alçados aos Ministérios e Assessorias foi como água na fervura: não cozinhou o pão da mudança. Todos acreditaram que a mudança havia se instaurado e não se teve em conta o segundo erro.
Tomo emprestada a citação de um trecho de Sergio Abranches, em analise da CF-88:
“O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço particular da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ‘presidencialismo de coalizão’, distinguindo-o da Áustria e da Finlândia, tecnicamente parlamentares, mas que poderiam ser denominados ‘presidencialismo de gabinete’(…). Fica evidente que a distinção se faz fundamentalmente entre um ‘presidencialismo imperial’, baseado na independência entre os poderes, se não na hegemonia do Executivo, e que organiza o ministério com amplas coalizões, e um presidencialismo ‘mitigado’ pelo controle parlamentar sobre o gabinete e que também constitui esse gabinete, eventual ou frequentemente, através de grandes coalizões. O Brasil retorna ao conjunto das nações democráticas, sendo o único caso de presidencialismo de coalizão”.
Esse constitui o segundo erro do governo popular. Após afastar-se da classe trabalhadora e, no afã de obter a tal governabilidade, alia-se aos coronéis a quem deveria combater! Desse modo, o movimento atual da história veio dizer, em alto e bom tom, na tela da Globo e nos editoriais da Folha de São Paulo, do Estado de Minas, quem é que manda neste país: o voto ou o dinheiro? O capitalismo financeiro ou as necessidades sociais? Já nos deram as respostas.
Neste momento os direitos sociais estão seriamente ameaçados. As conquistas populares estão na alça de mira, pois não são rentáveis para os donos do capital. Todos os passos do atual governo vão no sentido de mudar o foco para voltar a abastecer a elite.
Concluindo, a história é pendular. O pêndulo vai de um extremo ao outro, buscando sempre o equilíbrio. Mas é certo que quanto mais ao extremo vai, com mais força é trazido de volta. Nesse sentido, o quanto de direitos nos serão surrupiados pelos guerreiros do neoliberalismo dependerá da intensidade da resposta das camadas populares. Num primeiro momento podem até querer voltar a comer cebolas no Egito, mas logo terão que se reerguer e voltar ao caminho da terra prometida. Nesse momento estamos perdidos no meio do deserto, a espera do maná. É hora de juntar forças e retomar as escolhas fundamentais: o capital ou a Vida.
Lafaiete Marques Ciara